sexta-feira, 13 de novembro de 2009

“WELFARE STATE”, CRISE E GESTÃO DA CRISE – PARTE 07

A crise do "Welfare State" deve-se ao colapso do pacto político do pós-guerra sobre o qual a erigiu-se

     Muitos são os autores que insistem na íntima associação que teria ocorrido e vingado do pós guerra até os anos sessenta entre propícias condições de crescimento e um pacto político interclasses, o que criou as possibilidades de montagem e expansão dos Welfare States, os quais vieram a reforçar aquelas condições econômicas positivas. Offe (1983) por exemplo, assinala um compromisso ou "acordo social" politicamente instituído a partir de formas não-radicais de confronto de classes, enraizando-se numa sorte de "troca de benefícios" entre empresários e mão-de-obra, cuja expressão poderia ser sintetizada no binômio crescimento-segurança social.
    A aceitação da lógica do lucro do mercado por parte dos trabalhadores e a concordância com políticas redistributivas por parte dos empresários teria estabelecido os fundamentos para coalizões políticas ou, pelo menos, criado condições mínimas de consenso a partir das quais processou-se a luta político-partidária. Nas condições de expansão econômica, o consenso interclasses possibilitou a emergência e a consolidação das políticas sociais do Estado voltadas tanto para cobrir os riscos aos quais estão expostos os trabalhadores quanto para reforçar e estimular a atividade econômica.
    A crise econômica, que se inicia nos anos 70, ao reduzir o crescimento, põe em cheque as bases políticas sobre as quais repousavam as práticas redistributivas estatais. Para Offe, nestas condições, voltam à cena os conflitos distributivos e restringem-se as margens de negociação. Está desfeito aquele que era o pilar fundamental do Welfare State, no plano da legitimação política, esgotando-se assim aquela particular forma de regulação estatal baseada em políticas sociais e numa política econômica de corte keynesiano.
    Também examinando as alterações sofridas pela base política de sustentação dos Welfare State — o movimento operário-social-demotrata — John Loque (1979) desenvolve um outro tipo de argumentação, enfatizando ser hoje o Welfare State vítima de seu sucesso, muito menos que de sua falência.
    Tomando os países escandinavos como exemplares Estados de Bem-Estar, Loque aponta para o fato de que a expansão dos programas de bem-estar coincide cronologicamente com a teoria econômica keynesiana e não é de pouco significado histórico que a revolução keynesiana teve lugar sob a égide de governos de esquerda. As medidas de bem-estar eram justificadas não apenas em termos de necessidades humanas mas também como parte de uma política keynesiana de revigorar a demanda dos consumidores. A meta social-democrata de pleno emprego imbricava-se com a alternativa de Keynes, assim como a virada em direção a maior planejamento coincidia com o desejo social-democrata em substituir a anarquia da produção por planejamento econômico limitado
    Apontando para o sucesso e os principais logros das medidas sociais-democratas de bem-estar, combinadas com a teoria keynesiana, Loque tenta demonstrar o modo através do qual o próprio desenvolvimento e reforço dos mecanismos do Welfare State introduzem elementos críticos. Em primeiro lugar afirma que, atingida praticamente a satisfação das necessidades materiais, muitos outros benefícios dificilmente poderiam ser distribuídos sem criar sérios problemas de "desincentivos": um certo equilíbrio teria sido atingido entre a demanda por novos benefícios e o não-desejo de pagar por eles, pelo menos através de impostos diretos e visíveis. Nesse sentido, tal como concebido, o Welfare estaria se aproximando de seus limites e as tax revolts dos últimos anos, nos países desenvolvidos, podem ser vistas sob este prisma.
    Em segundo lugar, pareceria estar sendo atingido um desequilíbrio na dinâmica interna do Welfare State no que tange à integração de interesses organizados na política econômica estatal e ao compromisso de não tocar na distribuição prévia de poder e riqueza. O peso das organizações sindicais, o crescente papel do Estado na barganha e fixação salarial, assim no conjunto das políticas, introduzem fortes elementos de coerção ou, no mínimo, de compromisso com as organizações, que cada vez mais partilham quase corporativamente das decisões de política. Ora, ".. a extensão da atividade estatal em direção ao que era previamente esfera autônoma de comportamento fez crescer o poder daqueles que manejam os instrumentos da autoridade central, ao mesmo tempo em que politizou novos aspectos da vida econômica e social" (p. 82). A estreita vinculação entre sindicatos e governo passa a mostrar problemas, seja na situação de crescente incapacidade de redistribuir a renda sem alterar a distribuição prévia, seja, no plano mais político, quando as bases operárias passam a perceber suas lideranças como comprometidas com a política, econômica, transmutando-se em arma do Estado na imposição de disciplina industrial.
    Finalmente, não há dúvida de que o sucesso do Welfare State foi construído, segundo Loque, à base de uma complexidade administrativa crescente, de ampliação dos graus de organização e coordenação estatais, e com a participação cada vez mais importante dos "especialistas". Situação que restringe a vida democrática. Ora, as fortes demandas por uma democracia participativa vêm causando impactos, desde os anos sessenta, a todos os níveis da sociedade e, também sobre as próprias organizações e partidos de esquerda que converteram-se de entusiastas do poder estatal em céticos, quanto à capacidade do Welfare State em cumprir seus objetivos, deixando de conceber a igualdade crescente tão-somente como habilidade a consumir através do setor público. Demandas por controle sobre as próprias condições de trabalho por parte dos trabalhadores, sobre decisões em relação à automação e racionalização do trabalho têm crescido e constituem novas e fortes expectativas de gerações já acostumadas a um nível razoável de satisfação de vida material. Realinhamentos democráticos dessa ordem passam a impor-se na agenda de Estados, pressionando a concepção de bem-estar que tradicionalmente manejaram.

A crise do "Welfare State" deve-se em princípio à sua incapacidade de responder aos novos valores predominantes nas "sociedades pós-industriais"

    Esta tese, em princípio, poderia integrar a tese da ausência de legitimidade. Entretanto, é atualmente, tão freqüente, que merece um lugar especial entre as distintas análises da crise das políticas sociais.
    Uma espécie de "revolução cultural" estaria sacudindo o mundo já industrializado, substituindo rapidamente os valores materiais. por uma gama de valores pás-materialistas, alterando substancialmente a estrutura da opinião pública e gerando demandas que as instituições políticas e sociais atuais estariam sem condições de atender. Em particular, constituiriam, hoje, os mais sérios obstáculos enfrentados pelas políticas sociais.
    Na Conferência sobre as Políticas Sociais nos Anos 80 organizada pela OCDE (1981), esta tese apareceu sob diversas formas e foi bem resumida por um de seus melhores opositores, Harold Wilenski: "Entre as idéias errôneas que estão em curso a respeito da evolução dos países democráticos modernos, há uma que encontra mais audiência nos debates públicos, segundo a qual, os temas antigos cederiam pouco a pouco o passo a temas novos; numa época em que os valores morais mudam profundamente, onde a ética do trabalho é progressivamente alterada pela aspiração à liberdade e ao direito a se exprimir, ao hedonismo e ao narcisismo, onde o raciocínio lógico se desfaz frente aos impulsos e ao êxtase, onde o culto da ciência e da técnica está denegrido, onde a ordem hierárquica rende-se diante da igualdade e da democracia fundada sobre a participação, onde se abandona uma competição rápida para se colocar em pauta formas de vida comunitária, onde a expansão econômica e o consumo a todo preço são combatidos por vias ecológicas e uma nova preocupação com qualidade da vida" (Wilenski, 1981, p. 185-6).
    Deixamos para a segunda parte deste trabalho a exposição da contra-argumentação de Wilenski. O que nos interessa aqui, é identificar as principais versões desta tese, no que diz respeito à questão da crise do Welfare State.
    Valores qualitativos "pós-materialistas", do tipo dos listados por Wilenski tendem a pressionar o Welfare State porque são de difícil equacionamento e atendimento tanto por causa da forma mercantil vigente da produção de bens e serviços sociais quanto pelo fato de que os custos de realização daqueles valores, em condições de diminuição do crescimento econômico, são por demais elevados — pense-se, em particular, na questão ecológica ou no equipamento para o lazer (Inglehart, 1977; Gershuny, 1978; Sefer, 1981).
    Um outro argumento enfatiza a questão do desenvolvimento da "economia subterrânea" nas condições da crise atual. A economia clandestina, profunda ou informal é explicada tanto como uma reação às elevadas cargas fiscais, quanto como nova forma social, não-mercantil, não-monetária, fundada em nova solidariedade e comunidade, de todo modo também subtraída à imposição fiscal. Ora, à medida que se sabe ser o poder de taxação um dos atributos essenciais do Estado, os comportamentos próprios da economia subterrânea são entendidos como atingindo diretamente a base de financiamento e a legitimidade política do Estado (Rosanvallon, 1981; Cazes, 1981).
    Estas oito teses constituem, a nosso ver a critérios que permitem sistematizar a ampla literatura sobre á crise do Welfare State; tanto do ponto de vista dos conservadores; quanto dos analistas de postura progressista.

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