sexta-feira, 13 de novembro de 2009

"WELFARE STATE", CRISE E GESTÃO DA CRISE – Parte 05

A CRISE DO "WELFARE STATE" É SOBRETUDO UMA CRISE DE CARÁTER FINANCEIRO-FISCAL 
    Esta tese tem sido afirmada por conservadores tanto quanto por progressistas. Circunscrevendo à questão de financiamento os problemas de continuidade e ampliação dos gastos sociais do Estado, é analisada por diferentes ângulos.

a) A crise, em si, já envolve um problema fiscal bastante sério. No caso dos programas sociais, a questão passa a ser a de como responder pelo seu financiamento, quando configura-se até mesmo um círculo vicioso à medida que diminuem as receitas públicas pelo rebaixamento da atividade econômica, e simultaneamente aumentam as exigências financeiras de programas sociais, exatamente acrescidas pela crise, tais como maiores compensações ao desemprego e à instabilidade, elevação com gastos de saúde etc. Na perspectiva progressista, a conjugação de programas econômicos anti-recessivos com a revisão das prioridades e a realocação de recursos estatais parece ser a alternativa única para a superação do estrangulamento financeiro desde que se queira evitar que massas crescentes se defrontem com níveis cada vez maiores de pobreza e carência (OIT, 1984; Rosanvallon, 1981; OCDE, 1981).

b) A maior parte dos estudos tende a identificar o problema do financiamento como um dilema próprio da estrutura dos mecanismos de sustentação dos programas sociais. Isto é, o argumento tende a enfatizar que a forma típica de financiamento dos gastos sociais, baseada em contribuições da massa ativa de trabalhadores, já contém em si uma tendência ao estrangulamento à medida que se prevê alterações etárias e "sociais" da força de trabalho de sorte que, cada vez mais, massas maiores de dependentes dependerão de contribuições extraídas de números relativamente menores de trabalhadores e/ou a tempos relativamente mais curtos de vida ativa. Ora, a crise econômica viria tão-somente agravar tal estado de coisas, ao introduzir não apenas o problema do desemprego, mas também o da própria dificuldade de valorização dos fundos fiscais arrecadados, dada sua vinculação com circuitos cada vez mais especulativos.

    Tamburi (1983) argumenta, por exemplo, que há razões estruturais para os problemas de financiamento dos sistemas de pensões e aposentadorias derivados da maturação do sistema e da alteração da composição etária da população. Por sua vez, a crise econômica e a aceleração inflacionária diminuem os recursos e elevam os gastos, agravando aqueles problemas estruturais. Ao mesmo tempo, torna-se difícil elevar as contribuições e passa a haver uma disputa maior por recursos do Estado entre as várias áreas de gasto.
    Brian Abel-Smith resume com clareza as relações que conduzem a esta argumentação. Nas condições de recessão, os gastos públicos tendem a crescer, frente a uma. receita declinaste: mais desempregados passam a receber benefícios; menos pessoas pagam impostos e contribuições de seguros sociais; elevam-se os custos de medidas que visam a proporcionar atividade e treinamento; crescem também os gastos advindos de apoio massivo a firmas que, de outro modo, desempregariam trabalhadores. Finalmente, há que se considerar o enorme custo em juros do financiamento dos déficits (Abel-Smith, 1980). Delcourt, ao enfatizar a situação de gastos crescentes e, receitas declinantes, nas condições de recessão, acrescenta ainda considerações sobre a ampliação do nível de aspiração e das necessidades: a incidência crescente de doenças crônicas; elevação dos graus de cobertura e pressões por garantias de benefícios mínimos; elevação dos custos de bens e equipamentos de distribuição de serviços sociais na situação de inflação. Portanto, é nesse quadro de desequilíbrio crônico entre gasto social e receitas do Estado que a crise se introduz como elemento agravante (Delcourt, 1982).

c) Vale a pena. destacar, pela força com que tem aparecido em textos recentes sobre a crise que afeta os Welfare States, o argumento de que os programas sociais envolvem também os problemas crônicos da relação entre taxas maiores de crescimento dos gastos que das receitas uma vez que, desencadeados certos programas, novas demandas são continuamente criadas, seja por setores não cobertos anteriormente, seja por reivindicações por benefícios não previstos de partida. Em suma, os programas reporiam os problemas para os quais foram criados ou acabariam gerando outros.

    Na perspectiva conservadora, o crescimento dos gastos deriva-se da concepção de que os programas colocam os trabalhadores potencialmente em auxílio, isto é, quanto maior ajuda é dada, maior é pedida, além do que incentivam as práticas de permanência como beneficiários (fraudes de todo o tipo) e como não trabalhadores (Gilder, 1982).
    Na perspectiva progressista, pensa-se nas demandas por parte de grupos sociais não cobertos previamente por um dado programa, mas sobretudo pensa-se na geração de novas demandas, antes não previstas. O exemplo mais importante talvez seja o da ecologia, isto é, a ação do Estado protegendo o ambiente e as pessoas contra riscos provocados pelas depredações ambientais (Sachs, 1982; OECD, 1981).

d) Finalmente, no âmbito da análise financeira da crise dos Estados de Bem-Estar, é importante reproduzir a argumentação de O'Connor (1977) peio peso que ainda conserva no campo de interpretação marxista. Para O'Connor, o problema de continuidade e desenvolvimento de programas sociais inscreve-se numa problemática mais ampla, de "crise fiscal do Estado", que se expressa no crescimento dos gastos públicos mais rápido que o meio de financiá-los.

    As raízes estruturais dessa crise do Estado encontram-se na dinâmica subjacente às funções contraditórias do Estado capitalista. O processo de acumulação do capital monopolista torna cada vez mais necessária a intervenção do Estado através dos gastos de capital social (projetos e serviços destinados a elevar a produtividade e/ou diminuir os custos de reprodução da força de trabalho). Entretanto, a própria expansão do capital monopolista tende a gerar desequilíbrios econômicos e sociais — desemprego, pobreza, capacidade excedente, capitalistas excedentes do setor competitivo da economia etc. — situação que impõe maiores gastos sociais do Estado para manter a harmonia social. Há aqui uma tensão permanente — conciliar a necessidade crescente de dispêndio estatal que visa a garantir a legitimidade e coesão do todo social vis-à-vis aquele destinado a regular a acumulação do capital monopolista — tensão que gera uma tendência às crises. A médio prazo, essa tendência é agravada pelas características do próprio setor estatal, na medida em que seus custos salariais tendem a se elevar devido ao crescimento lento da produtividade e ao padrão salarial relativamente mais alto.
    Nesse sentido, a crise do gasto social não tem uma dinâmica autônoma, é antes elemento da crise geral do Estado Capitalista. (O'Connor, 1977; Gough, 1975, 1981).
    Interessa, agora, reconstituir um outro conjunto de argumentos que atribuem a crise dos Estados do Bem-Estar à estrutura e funcionamento do Estado, ou aos problemas de legitimidade ou, finalmente, a questões de ordem estritamente política.

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