sexta-feira, 13 de novembro de 2009

"WELFARE STATE", CRISE E GESTÃO DA CRISE – Parte 06

A crise do "Welfare State" é, principalmente,uma crise produzida pela centralização e burocratização excessivas

    Tanto conservadores quanto analistas de posições progressistas tendem a enfatizar e criticar a formidável expansão do aparelho social do Estado, a burocratização excessiva dos programas sociais e a centralização exagerada dos processos decisórios como os elementos principais que inibem ou obstaculizam a democracia, por um lado, e que chegam a provocar crises de má administração ou de caráter entrópico, de outro.
    A burocratização crescente do aparelho estatal é apreendida e criticada sob diversos prismas:

a) Os aparelhos e instituições estatais são cada vez maiores, mas sua eficácia diminui progressivamente, apontando para características de entropia no sistema de produção de bens e serviços sociais. A burocracia é fragmentada, de um lado e, de outro, caracteriza-se por grande dificuldade de adaptar-se às mudanças, assim como tende a imobilizar mecanismos e agentes visando à manutenção de seu status. Por tais razões, os procedimentos impostos pela crescente complexidade da maquinaria de administração e decisão têm introduzido ineficácias, desperdícios e "tecnicidades" que conformam os problemas sociais muito mais como "casos" a serem equacionados que como questões pessoais de pobreza e carência (Sefer, 1981; Delcourt, 1982; Logue, 1979).
b) As burocracias do aparelho social tendem, para manter-se e expandir-se, a impulsionar desmedidamente a oferta de bens e serviços sociais, assim como a proliferação irracional de programas. Por outro lado, atuam segundo uma lógica impregnada de particularismos dada a vinculação com lobbies de clientelas, reforçando os ingredientes corporativistas já próprios das demandas e pressões (Delcourt, 1982; Heclo, 1975; Friedman, 1977).
c) As burocracias tornam-se cada vez mais .o elemento decisivo dos processos de decisão e os mecanismos políticos tradicionais são cada vez mais incapazes de garantir formas efetivamente democráticas de controle e participação nas decisões de políticas sociais. A outra face deste processo é o crescimento em grau, intensidade e detalhamento dos controles sociais exercidos pelo Estado e seus burocratas (Walzer, 1982; Wilenski, 1981).

    Por sua vez, a centralização incomensurável dos processos decisórios e dos mecanismos estatais de poder reforçaram ao extremo o grau de autoritarismo presente na imposição de políticas. Conjugada com a burocratização, a centralização dos mecanismos decisórios favorece um controle social sem precedente sobre indivíduos e grupos sociais: "Talvez a mais impressionante característica da moderna administração do welfare é a completa variedade de seus instrumentos coercitivos e dissuasivos. Cada nova necessidade reconhecida, cada serviço recebido, criam uma nova dependência e, portanto, nova obrigação social" (Walzer, 1982, p. 137). As formas hipercentralizadas de decisão, por outro lado, tendem a reforçar o caráter padronizado dos programas, com restritos espaços para o reconhecimento da diversidade social ou das opções individuais. Finalmente, e claramente para a visão conservadora, a centralização é quase confundida com estatização, de modo que a alternativa enfatizada é, antes de tudo, a da privatização da produção e distribuição de bens e serviços sociais (Friedman, 1977).

A crise do "Welfare State" deve-se à sua perda de eficácia social

    A fraca eficácia de Weljare State é enfatizada, por alguns, como responsável por sua crise, tese que encaminharia as soluções alternativas, seja sugerindo a supressão desta forma de Estado, seja optando por devastadores cortes nos orçamentos sociais do Estado.
    É Ivan Illich (1981) o autor mais representativo à esquerda, da primeira alternativa, isto é, a da supressão do Estado-Providência e a sua substituição por um modo de produção autônomo. Sua tese, bastante conhecida, é da contraprodutividade da prestação de serviços sociais pelo Estado: a medicina hiper-sofisticada termina por provocar doenças, a escola leva o aluno a desaprender etc. E esta contraprodutividade é, para Illich, componente inevitável das instituições modernas, não podendo, portanto, ser "corrigida".
    Na frente conservadora, William Simon (1981) enfatiza a tese do caráter não-distributivo do Estado dada a sua ineficácia, que termina por privilegiar essencialmente as classes médias. A solução é, para este inspirador dos programas conservadores americanos, cortar substancialmente os orçamentos sociais e assistir financeiramente "aqueles que são pobres", distintos tanto dos vagabundos quanto dos falsos desempregados!
    No campo marxista, em geral afirma-se que os programas sociais não têm como objetivo fundamental e nem são de fato mecanismos redistributivos e alteradores, no sentido forte, da desigualdade social. São vistos seja como ampliação da responsabilidade do Estado em relação aos custos da reprodução da força de trabalho, seja como formas de controle social e de diminuição dos graus explosivos de luta de classe (Gough, 1975). Neste sentido, não têm nem nunca tiveram efetividade social e as crises apenas deixariam mais transparente a natureza capitalista da regulação e intervenção social do Estado.

A crise do "Welfare State" é principalmente uma crise de legitimidade e de baixa capacidade de resistência da opinião pública

    Ausência de coesão social, baixa ou nula legitimidade dos programas sociais estatais, desconfiança em relação à capacidade e eficiência do Estado, fragmentação da opinião pública e a alta visibilidade de programas específicos de pobreza — para muitos autores há que se buscar nesse campo as raízes da crise que afeta hoje os Welfare States.
    Para Janowitz (1976), um dos aspectos dos dilemas atuais do Wetfare State reside nos problemas financeiros derivados da crise econômica. A incapacidade da economia em elevar a produtividade e a escalada inflacionária, aliadas à elevação das demandas sociais, impõe restrições à expansão dos gastos sociais.
    Entretanto, a argumentação central que desenvolve sobre a crise dos sistemas sociais públicos (enquanto concepção e desenho de práticas e instituições estatais) diz respeito à sua incapacidade de gerar um "sistema de legitimação auto-sustentado", acirrando, assim, o conflito sócio-político mais que criando consenso.
    As dificuldades essenciais dos Welfare States advêm de seus efeitos diretos sobre os regimes políticos e a inabilidade das elites políticas dos regimes democráticos em governar e efetivamente modificar as instituições básicas.
    Os dilemas do Welfare State constituem expressão dos limites no sistema vigente de "controle social", controle que no entendimento desse autor, diz respeito à habilidade de uma sociedade em engajar-se na auto-regulação, isto é, em criar uma ordem social que extirpe as formas e controles coercitivos.
    Janowitz enfatiza que as sociedades capitalistas contemporâneas fundam um complexo padrão de diferenciação social, que requer sistemas elaborados e sofisticados de socialização e controle. Os processos de industrialização e urbanização assim como as práticas e estruturas do Welfare Sfate são fatores de transformação da estrutura social e, portanto, de transformação das formas de participação e de conflitos políticos. O Welfare State, ao alterar a estrutura social e o padrão de desigualdades econômicas, condiciona a participação política, contribuindo assim para o surgimento de regimes políticos fracos. O comportamento eleitoral atual e seus paradoxos, a fragilidade das alianças, a ausência de maiorias políticas bem definidas, a crise de confiança refletem a ineficiência e envelhecimento dos padrões vigentes de coesão e "controle social". Para o autor, o que está em questão na crise do Welfare State é a "habilidade" em criar a coesão do todo social, isto é, o que está em jogo é a própria sobrevivência das sociedades democráticas.
    Para Hirschman (1980), a ampla hostilidade que se detecta, até mesmo por parte dos beneficiários, em relação aos serviços proporcionados pelo Welfare State emerge da crescente falta de confiança nas habilidades do Estado em "resolver" os problemas sociais. Rejeitando explicações do tipo estrutural para a crise do Welfare State, o autor defende a tese de que os sistemas sociais públicos enfrentam dificuldades de caráter temporário, cujas raízes estão, muito simplesmente, no fato de que a rápida expansão de certos bens e serviços em geral traz consigo uma deterioração de qualidade em relação às expectativas, o que produz insatisfação com a performance do setor público. Ora, se assim é, argumenta Hirschman, o problema não é essencial, uma vez que a perda de qualidade pode ser apenas temporária. Substituição de produtos e perda de qualidade estão, em geral, combinados com mercados não competitivos, ignorância dos consumidores e pouco conhecimento sobre as características mutantes dos produtos: esta combinação de     circunstâncias é, para Hirschman, precisamente a característica de certos serviços sociais em expansão considerável nos últimos tempos. O Welfare State enfrenta, pois, uma onda de hostilidade da opinião pública, passando portanto por uma fase difícil que está a exigir consolidação ou mesmo encolhimentos, alterações positivas que podem ocorrer a longo prazo.
    Interessado, de partida, em entender o baixo grau de resistência da opinião pública aos cortes em programas governamentais na área social, Mark Greenberg (1982) desenvolve interessantes considerações sobre o fato de que a própria estrutura dos programas condiciona apoios mais ou menos intensos: programas de caráter mais geral, universal, destinados ao conjunto dos cidadãos e respondendo (como foi nos anos 30) a um generalizado conhecimento da relação crise econômica-desemprego-perda de renda, respondem a ampla gama de interesses sociais e retêm apoio ao longo do tempo; programas concebidos como respondendo a necessidades específicas de grupos específicos, caracterizados como "pessoas incapazes" de algum tipo, têm um alto grau de visibilidade social, são vistos pela opinião pública como doação e caridade aos "pobres" e, do ponto de vista de apoio social, são bastante vulneráveis.
    Na argumentação de Greenberg, em situação de crescimento econômico com rígida estrutura de classes, a possibilidade de as pessoas tornarem-se pobres diminui: a pobreza aparece limitada àqueles que já são pobres. Diminui também a preocupação do público com programas projetados apenas para os "pobres". Mas em tempos difíceis, esta "filantropia" é vista como o primeiro gesto desnecessário a ser cortado. Esta é, para o autor, a grande diferença em termos da percepção da opinião pública, entre a emergência, nos EUA, do Social Security Act de 1935 e a emergência e montagem do "income support system" do pós-guerra. A não identificação entre os que participam dos programas e os que não participam tem gerado as atitudes que enfraquecem os programas de amparo. Para Greenberg, este é um resultado da própria concepção e estratégia de implantação desses programas, construídos de maneira a virtualmente assegurar sua perda de apoio numa economia estagnada. "...Sua construção gerou constituencies limitadas, alta visibilidade e uma multiplicidade decepcionante de programas nos quais a relação entre pobreza e economia era cuidadosamente ignorada" (p. 470).
    A fragmentação das clientelas, a ausência de comunidade, a concepção de programas baseados em categorias de necessidades e não em categorias de pessoas, a sua clara identificação — essas características contribuem para criar e reforçar o que Greenberg chama o "mito da generosidade pública" e seus efeitos perversos. O consenso em torno ao Welfare entrou em colapso como conseqüência previsível de sua própria estruturação.
    Esta tese de que programas específicos, de caráter assistencial, que não expressam direitos dos cidadãos nem efetivos compromissos redistributivos do Estado, geram baixo apoio e, portanto, podem ser cortados sem grandes resistências da opinião pública, é também enfatizada por outros autores (Rosenberry, 1982; Wilenski, 1976).

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