sexta-feira, 13 de novembro de 2009

"WELFARE STATE", CRISE E GESTÃO DA CRISE – Parte 04

O "WELFARE STATE" É UMA ESTRUTURA PERNICIOSA E CORRESPONDE A UMA CONCEPÇÃO PERVERSA E FALIDA DO ESTADO
    Aqui está, principalmente, o argumento conservador, que tem sido retomado com freqüência na situação da crise atual e tem inspirado programas de governo ou discursos justificadores de opções ortodoxas de gestão da crise. Em geral, o argumento gira em torno a três questões:

a) Em primeiro lugar, assinala-se que a expansão dos gastos sociais do Estado faz-se tendencialmente em condições de desequilíbrio orçamentário, provocando déficits públicos recorrentes, que penalizam a atividade produtiva e provocam inflação e desemprego. Aliás, é por isso mesmo que estamos em crise: devido à expansão excessiva dos gastos sociais, responsáveis em última instância pela situação atual e revelando, de uma vez para sempre, a intervenção intolerável, ineficiente e corrompedora do Estado sobre os mecanismos saneadores do mercado.

     A identificação dos efeitos perversos dos programas sociais parte da constatação de que representam uma ameaça às finanças estatais, ao mesmo tempo em que provocam uma maior intervenção do Estado, ao desestabilizar o funcionamento da economia. Vários aspectos são considerados:

  • a elevação dos gastos públicos, ao provocar desequilíbrios orçamentários, é fonte inflacionária (quer pela emissão de moeda, quer pela elevação de tributos e encargos sociais que impulsionam um espiral preços/salários);
  • o financiamento dos programas sociais requer a elevação dos tributos e contribuições sociais, o que reduz a poupança e portanto o investimento. Por outro lado, elevadas cargas de contribuições dos empregadores provocam uma elevação dos custos salariais, o que seria responsável por uma perda de competitividade externa dos produtos;
  • a extensão dos programas representa um crescimento de empregos públicos que não são produtivos.

     Em resumo, os gastos sociais e sua forma de financiamento são responsáveis pela inflação, declínio dos investimentos e, portanto, pelo desemprego.

b) Em segundo lugar, sustenta-se que, em essência, os programas sociais, ao eliminar os riscos de todo tipo e ao provocar uma igualdade perniciosa, ferem a ética do trabalho e comprometem o mecanismo de mercado: tendem a provocar desestímulos ao trabalho, diminuindo os graus de competitividade da mão-de-obra, rebaixando os níveis gerais de produtividade econômica e mantendo artificialmente em alta os salários.
     O desincentivo ao trabalho provocado pelos programas sociais é apreendido em dois níveis: o da quebra da ética e o dos efeitos perversos sobre o funcionamento da economia — é mesmo pensada a existência de um trade-off entre a eficiência econômica e a igualdade e proteção social, os excessos da segunda, via programas sociais, provocam uma diminuição na primeira.

c) Finalmente no plano político, argumenta-se contra a amplitude dos programas sociais que, ao revelar os graus insuportáveis de regulação e intervenção do Estado na vida social, estariam introduzindo, nas "sociedades democráticas", elevados índices de autoritarismo, tendendo mesmo ao totalitarismo (Huntford, 1971; Friedman, 1977).

    Recentemente, Gilder (1982 ) expôs de modo bastante claro o argumento conservador e apoiamo-nos nele para detalhá-lo.
    Para Gilder, os problemas enfrentados hoje pelo capitalismo giram em torno a uma cidadania dependente do. Estado, à dissolução da família, à quebra da ética do trabalho, à redução da riqueza e bem-estar das camadas de renda alta e média, à inflação e ao declínio dos investimentos. Se a força do capitalismo advém de seus impulsos básicos — o risco, a concorrência — sua saúde depende dos mecanismos de incentivo ao trabalho e ao investimento.
    É a ação do Estado que instabiliza os mecanismos de incentivos, ao dar excessiva proteção e segurança econômica e social, minando 0 capitalismo e sobrecarregando o Estado. Não sendo ruim em si, a ação estatal deve, entretanto, ser bem orientada, o que não tem acontecido.
    O alargamento dos programas sociais governamentais — seguro-desemprego, pensões e aposentadorias, programas de manutenção de rendimento (em dinheiro ou em espécie) etc — gerou uma situação de excessiva proteção e segurança econômica, na qual as políticas atuam negativamente, isto é, ampliam os problemas que deveriam solucionar
    O alvo principal da crítica de Gilder são os programas distributivos de combate à pobreza — com testes de meios: contêm anomalias e perversidades intrínsecas, que se tornam maiores com a elevação do nível de benefícios, principalmente se forem maiores que os salários oferecidos no mercado.
    À medida que a família passa a ser sustentada pelo Estado, é destruído o papel-chave do pai e aí tem início o processo de dissolução das famílias. Acrescente-se a isso a destruição do incentivo ao trabalho e a quebra da ética do trabalho, substituída progressivamente pela resignação, escapismo, violência, promiscuidade sexual etc. Mas as políticas sociais minam de forma mais geral a moral, ao gerar uma Welfare Culture, caracterizada pela promiscuidade, drogas, famílias lideradas por mulheres, filhos ilegítimos, guetto family etc. Finalmente, esse é também um processo de extensão e perpetuação da pobreza, dado o desestímulo dos homens e a incapacidade das mulheres em reverter esta situação.
    Programas de manutenção e criação de empregos na crise tendem a tornar o trabalho opcional, geram dependência do Estado e terminam por se constituir em fonte de desemprego. Programas de invalidez ou as aposentadorias tendem a situar como beneficiários pessoas que efetivamente não o são: alargam o tempo de invalidez ou a encorajam a aposentadoria antecipada. Enfim, as proteções e redistribuições negam aquilo que é o maior incentivo ao trabalho — a necessidade — e portanto geram pobreza.
    A solução passa pela redução dos programas tanto quanto possível: redução dos benefícios, controle do acesso e fraudes, austeridade no fornecimento de bens, privatização dos serviços etc.
    Se a extensão dos programas sociais tem os efeitos perversos descritos, a forma com que são financiados traz conseqüências, segundo Gilder, ainda piores, ao minar os incentivos à produção e ao investimento.
    O problema reside na elevação dos tributos. A tributação progressiva sobre a renda, os lucros e o capital diminui os fundos disponíveis para o investimento e assim reduz o incentivo a investir. Por outro lado, essa elevação dos tributos é responsável pela inflação: quer porque diminui a produção sem que haja limitação da oferta de dinheiro pelo Estado, quer devido à elevação dos custos das empresas, desencadeando uma espiral preços/salários.
    Além disso, há dois outros aspectos da ação do Estado sobre os negócios: os efeitos perversos do excesso de controles e regulamentações sobre a indústria e os do auxílio governamental às empresas em falência. Nesse segundo aspecto, a questão é a da proteção demasiada — é necessário que o mercado atue para que as empresas mais aptas sobrevivam.
    A visão supply-side-economics de Gilder resume-se nisso: a "força criativa" do capitalismo é o investimento privado (e o futuro significa investimento com inovação tecnológica) e a atuação do Estado na forma em que está estruturada suprime os incentivos ao investimento. Não se trata de que os gastos e o déficit público sejam maus em si (ou inflacionários), ainda que a regulação excessiva sobre a economia não seja fértil e o setor público não exatamente produtivo. O problema é que "... quando o governo dá bem-estar, pagamentos aos desempregados, empregos em serviços públicos em quantidade que detém o trabalho produtivo, e quando eleva os tributos das empresas rentáveis para pagar por aqueles, a demanda declina" (Gilder, p. 162) ou seja, os gastos sociais e o emprego público não são linhas de defesa do gasto privado, ao contrária, o reduzem. Dessa forma, o que não pode haver é um déficit público para financiar os pobres e penalizar os negócios. A intervenção do Estado deve estar orientada para tudo o que favoreça em empresas: menor controle, redução da tributação, principalmente sobre investimento e capital, subsídios e créditos para investimento em P&D. Só assim haveria crescimento, e o crescimento do setor privado é a melhor forma de combater a inflação. O que melhor deveria fazer o Estado, então, seria restringir-se a aumentar os lucros das empresas.
    Os conservadores, portanto, tratam o Welfare State, no plano político-ideológico, como uma concepção falida do Estado e, no econômico, como a estrutura responsável pela crise atual, porque impeditiva de que os mecanismos de mercado possam sanar efetivamente a economia.

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