quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Trabalho Final de Sociologia das Profissões

1. INTRODUÇÃO
    A ordem patrimonialista de organização que dominava a sociedade agrária do Brasil, também esteve presente nas relações de trabalho. A deterioração do sistema agrícola causado pela industrialização capitalista fez com que a ordem patrimonialista se alterasse para uma nova ordem de organização social, no caso a burocracia.
    O objetivo deste trabalho é mostrar a organização trabalhista no período agrário (portanto, ordem patrimonial / tradicional) e como se altera no período industrial (ordem burocrática / legal), e a partir disso mostrar três teorias da Sociologia das Profissões, e mostrar como essas teorias se encaixam na sociedade brasileira.
    A hipótese é a de que no sistema patrimonialista não se pode falar em profissão, já que o sistema repousa sobre a tradição, onde a elite dinástica recruta a mão-de-obra conforme as relações tribais e de família, favorecendo empregados dóceis e leais, ao invés de favorecer necessariamente os mais produtivos, e por isso, estes trabalhadores não desenvolvem habilidade e conhecimento suficientes numa tarefa, a ponto de serem considerados profissionais.
    O debate internacional sobre profissões é bem extenso e divergente em alguns pontos, mas o que os autores tem em comum é a crença no profissionalismo como um fator positivo que mostra o desenvolvimento de uma sociedade, principalmente de uma sociedade que vem de uma organização tradicional, como é o caso do Brasil.
    Para realizar este trabalho serão analisadas as mudanças nas relações trabalhistas no Brasil, partindo das relações patrimonialistas e como se insere a ordem burocrática (necessária a sociedade moderna), através do livro “O Brasil Arcaico” (Lopes, J R B). Em seguida será apresentados três pontos de vista da Sociologia das Profissões, sendo eles: teoria do profissionalismo (Freidson e Larson) e a teoria das competências (Kober). O fechamento do trabalho se dará numa breve conclusão sobre os pontos de vista e a sociedade brasileira.

2. DA ORDEM PATRIMONIAL PARA A ORDEM BUROCRÁTICA
    Durante o período agrário no Brasil a organização social foi baseada no sistema patrimonialista de poder. Este sistema tem como característica principal a tradição, nele o sistema político é paternalista (Estado paternalista) e o sistema econômico também (administração paternalista).
    O padrão patrimonialista de poder predomina até sobre as relações de trabalho, onde as relações de família controlam o acesso à classe de administradores. Diretores e técnicos de carreira são empregados, mas ficam subordinados aos membros das famílias dos proprietários. A administração patrimonial é paternalista na sua relação com a classe operária, pois deve-se cuidar do operário, que por sua vez, deve ser leal aos patrões. As normas são feitas pelos administradores e o recrutamento da mão-de-obra depende das relações de família e, por isso serão favorecidos empregados dóceis e leais, ao invés de favorecer necessariamente os mais produtivos. O contrato de trabalho é verbal e indefinido, visando assegurar o cumprimento das obrigações do trabalhador, sem qualquer limitação específica de horário ou determinação rígida dos dias para a execução das tarefas de que dependerão os resultados desejados. Não implica o contrato, apenas na realização de serviços de sentido econômico, mas também na completa sujeição política do trabalhador ao patrão.
    Com a decadência agrícola e o início da industrialização no Brasil (fins do séc. XIX, começo do séc. XX) tem-se a quebra do padrão patrimonialista de relações de trabalho. Pois novas normas, como, a liberdade de movimentação do trabalhador rural, e a introdução do vínculo monetário nas relações de trabalho, são introduzidas nas indústrias, normas estas que não cabem na organização tradicional. Nas primeiras industrias, os cargos de mestres e contramestres levam em conta a competência, mas não deixa de lado a confiança do chefe. A competência agora é como se demonstra lealdade aos patrões. Não se deixam as características da administração patrimonial de lado, mas aos poucos elas vão se tornando incabíveis na sociedade industrializada.
    O fenômeno básico que ocorre é a transformação da sociedade capitalista: a separação entre controle e a propriedade, propiciada pela moderna sociedade anônima, a concentração econômica sem precedentes, o aparecimento do oligopólio como estrutura fundamental de mercado, a participação crescente do Estado na vida econômica, entre outros fatores. Com a concentração industrial, burocratizam-se as organizações econômicas, alterando as organizações nas empresas. Certos aspectos dessa burocratização, tais como a crescente racionalidade e impessoalidade da organização, a fragmentação das tarefas industriais, a separação cada vez mais nítida entre o planejamento e a execução do trabalho, assim como o desenvolvimento do sindicalismo moderno, são processos básicos, sem os quais não se entende as relações de trabalho modernas.
    Assim, tem-se uma alteração da ordem patrimonial (tradicional), onde o senhor trata a administração como coisa particular sua, selecionando servidores e atribuindo-lhes tarefas específicas, de momento a momento, na base da confiança pessoal, sem estabelecer para eles delimitação clara de funções ou uma dada divisão de trabalho. Passando para uma ordem burocrática (legal), onde as atividades são conduzidas por um sistema geral de normas e os deveres de cada funcionários são delimitados por critérios impessoais, cada funcionário tem a autoridade necessária para exercer suas atribuições, os meios de coerção são delimitados e as condições que legitimam seu emprego são claramente definidas, a responsabilidade e autoridade de cada funcionário fazem parte de uma hierarquia de cargos, as atividades, o local de trabalho, o equipamento e o dinheiro da organização são separados das atividades, domicílios e propriedades particulares, as tarefas administrativas, pelo menos as especializadas, pressupõem em geral treinamento especializado e a administração baseia-se em documentos escritos. Essa burocratização é fundamental para a sociedade moderna.
    A seguir serão analisadas as teorias de Freidson, Larson e Kober, mostrando suas divergências e como elas se encaixam neste processo de transição no Brasil.   

3. SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES
    O estudo das profissões é abordado de forma sistemática na sociologia somente a partir da metade do século XX, e existem vários autores e várias teorias que debatem neste campo. Aqui será tratado das teorias de profissionalismo de Eliot Freidson e Magali Larson e da teoria das competências de Claudia Kober.
    Eliot Freidson cria uma teoria do profissionalismo e consolida o paradigma do poder das profissões, com a sua análise das profissões.
    Para ele, uma profissão é um tipo de ocupação que se distingue das outras por seu conhecimento e competência especializados, que são necessários para a realização das tarefas numa divisão de trabalho, ele identifica profissão como um princípio ocupacional de organização do trabalho.
    Para o autor é importante ter conhecimento especializado, tanto formal quanto abstrato. Esse conhecimento é adquirido através de uma formação especializada, que é dada pelo ensino superior, o monopólio deste conhecimento é uma condição para se ter acesso ao mercado de trabalho. O controle rigoroso da formação e do exercício profissional é a base do poder das profissões e dos privilégios que são garantidos pelas universidades, pelas associações profissionais e pelo Estado.
    Freidson sublinha três fatores imprescindíveis para o poder das profissões: a autonomia, onde o trabalhador decide sobre o próprio trabalho (o trabalhador individual é soberano); a expertise, que é o monopólio do conhecimento abstrato; e o credencialismo (ou gatekeeping), que permite o controle institucionalizado sobre os recursos desejados, podendo as profissões controlar o acesso aos domínios, julgar e solucionar problemas.
    Freidson diz que cabe à administração determinar qual é o trabalho a ser feito, como será realizado e por quem, fragmentando, mecanizando e racionalizando as tarefas em busca de maior eficiência e melhores resultados financeiros. O autor coloca que com o aumento do profissionalismo, dos trabalhadores com nível superior e valorização do status profissional, a administração perde sua força, pois quando uma ocupação se profissionaliza, mesmo que seu trabalho continue a ser feito numa organização, a administração pode controlar os recursos relacionados com o trabalho, mas não pode controlar a maior parte do que os trabalhadores fazem e como fazem, já que o controle e a autoridade passam a ser exercidos pelos próprios trabalhadores profissionais de forma autônoma. A administração não teria a capacidade de coordenação imperativa (como na organização tradicional).
    Assim, para Freidson, as profissões detém o poder, que é garantido pelo monopólio do conhecimento, pelas credenciais e pela autonomia. A administração perde seu poder de controle.
    Magali Larson analisa as profissões fazendo uma síntese das teorias marxistas e weberianas, ela estuda as profissões como grupos de interesses. Para ela “o estatuto profissional constitui uma barreira a uma sociedade igual e justa; só que a causa não está no poder das profissões sobre os clientes ou sobre o mercado, mas na ideologia do profissionalismo, que seduz os profissionais e os faz acreditar nas instituições burguesas. Os profissionais tem em comum não o conhecimento, não a autonomia, mas a ideologia”. Ela concentra a sua análise dos processos de subordinação das profissões pelas grandes e complexas instituições do capitalismo e na forma como a ideologia do profissionalismo pacifica os próprios profissionais.
    A autora define profissões como “ocupações produtoras de serviços ‘especiais’ que conseguiram alcançar controle sobre o mercado para as suas competências”. Para ela a profissionalização seria um processo de fechamento social pelo qual os grupos procuram maximizar os seus resultados e os seus recursos, limitando o acesso a um pequeno grupo de candidatos. Tais processos implicam a exclusão e a oposição a outros grupos, e se justificam pelo interesse coletivo de serviço. A autora destaca os mecanismos de exclusão e diferenciação social que são conseqüências do estabelecimento de proteções ou monopólios de mercado, diferentemente de Freidson que realça os mecanismos de aquisição de autonomia e poder alternativo.
    A delimitação do mercado de trabalho pelas comunidades profissionais e o fechamento sobre um mercado de serviços profissionais se dá através do controle do acesso à profissão (controle do sistema de ensino) e a proteção do mercado (sistema de licenças). Assim, para a autora, a profissionalização é uma afirmação coletiva de um estatuto especial e um processo de mobilidade social coletiva.
    Freidson faz uma crítica a teoria de Larson, pois acha que seu trabalho é extremamente influenciado pelo marxismo e pela teoria clássica do capitalismo, quando ela faz uso do termo monopólio/fechamento, ela não concorda com essa posição da autora. 
    Larson também fala sobre o declínio do poder das profissões, para ela as condições para o trabalho profissional mudaram muito: tem-se a passagem do profissional livre num mercado de serviços para o especialista assalariado em grandes organizações. Ela coloca que a história das profissões está ligada a origem do capitalismo das grandes organizações: com o crescimento em dimensão e complexidade, as unidades produtivas experimentaram uma grande necessidade de administração e planificação burocrática. O primeiro fator que contribuiu para essa identificação entre capitalismo e profissões foi a padronização dos serviços profissionais, possível com a padronização da formação, igualando competência técnica a número de escolaridade e credenciais formais.
     A autora não opõe profissões e organização burocrática, para ela a estrutura das profissões contemporâneas é complementar com formas burocráticas de organização, já que as profissões dependem de se incorporar nas organizações burocráticas. Ela considera os profissionais como funcionários proletarizados, mesmo que estes acreditem que têm autonomia.
    Assim, Larson desvaloriza o poder das profissões que é sublinhado por Freidson.
    Cláudia Kober faz uma análise da “teoria das competências”. Ela combina cinco elementos para construir o “modelo das competências”:
        1. normas e recrutamento que privilegiam o “nível de diploma”
        2. valorização da mobilidade e do acompanhamento individualizado da carreira
        3. novos critérios de avaliação, que privilegiam as qualidades pessoais e relacionais como responsabilidade, autonomia, capacidade de trabalhar etc.
        4. instigação à formação contínua, o aprender sempre.
        5. desvalorização dos antigos sistemas de classificação fundados nos níveis de qualificação e originados nas negociações coletivas. Privilegiamento das negociações individuais de salários e benefícios.
    Este modelo contribui para profundas mudanças na construção das identidades profissionais dos indivíduos, dificultando a sua identificação com a profissão (para qual estudaram inicialmente) ao longo de sua vida profissionalmente ativa, provocando uma identificação cada vez mais difusa com a sua profissão original e contribuindo para uma perda do poder ligado às profissões.
    O “modelo das competências” centra sua atenção no indivíduo e não no posto de trabalho, realçando a importância da autonomia de decisão para a avaliação de resultados em relação a metas estabelecias pela administração. A lógica da competência flexibiliza a organização do trabalho. O percurso da carreira não vai mais se apoiar na sua formação educacional, mas na avaliação feita pela empresa das suas qualidades pessoais e interpessoais.
    Seguindo esta lógica, cada um se torna senhor absoluto do seu próprio destino, tanto na construção de oportunidades e auto-desenvolvimento, como na responsabilidade pelo seu próprio fracasso ou exclusão, por não conseguir “administrar” a sua carreira de forma adequadas aos novos moldes. Esta nova organização baseia-se no trabalhador ‘flexível’, que desenvolve sempre novas competências e passa a atuar em áreas de diferentes expertises. O trabalhador troca de campo de atuação diversas vezes ao longo de sua vida profissional, e isso distancia o indivíduo da sua identidade profissional original, entrando, esta teoria, em confronto com a profissionalização. As identidades não são construídas somente nos anos de formação superior, e também a identidade formada ali pode não perdurar ao longo da vida do indivíduo, isso porque, a identidade humana se constrói ao longo do processo de desenvolvimento.
    Kober coloca que não há um enfraquecimento do princípio administrativo sob a lógica do modelo das competências, ao contrário de Freidson, para ela ocorre uma reformulação que tende a manter o controle do trabalho e das carreiras cada vez mais nas mãos da administração. Assim, a administração não ganha apenas poder, mas ganha em submissão, e na conseqüente perda de autonomia profissional, que vai totalmente contra a tese de Freidson.
    No modelo das competências não se trata mais de “saber fazer”, mas sim, de “saber ser”. É preciso que os indivíduos estudem cada vez mais. Porém o diploma superior perde seu valor, mesmo sendo exigido, não se deve a complexidade do trabalho e necessidade de conhecimentos científicos e abstratos, mas a expectativa de que indivíduos que tenham passado por universidades tenham o seu modo de ser adequado às novas necessidades do mundo do trabalho.
    Kober retrata novas características de um profissional, que agora não deve saber muito sobre um só assunto, mas um poço de tudo.

4. CONCLUSÃO
    A partir das teorias apresentadas, podemos perceber que a análise de Freidson se assenta sobre três pilares: autonomia, monopólio do conhecimento e credencialismo, esses fatores não são encontrados nas relações de trabalho numa sociedade tradicional, assim, a partir da teoria de Freidson só se pode falar em profissão no Brasil, após início do desenvolvimento industrial, quando ocorre a burocratização da ordem da sociedade.
    Em relação a análise de Larson também só podemos falar em profissão a partir do desenvolvimento da sociedade capitalista e sua conseqüente burocratização, já que ela vê a história das profissões e o desenvolvimento intimamente ligados.
    Já, com relação à análise de Kober, podemos perceber que ela traz uma nova visão do mundo do trabalho profissional, onde não se valoriza somente o conhecimento específico, mas sim o relacionamento entre as pessoas que irão trabalhar juntos, o conhecimento de diversas áreas, remete a uma confiança entre empregado-empregador, podemos, então, colocar a lógica do modelo das competências como a que predomina na sociedade atual, e é a que mais se assemelha a relações de trabalho na sociedade patrimonial.
    Assim, percebe-se que a ordem patrimonial não deixou de existir, ela foi remodelada, e ainda aparece com novas características.

5. BIBLIOGRAFIA
    FREIDSON, Eliot – “Para uma análise comparada das profissões: a institucionalização do discurso e do conhecimento formais”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, n°31, junho de 1996, pág. 142-154.
    KOBER, Claudia Mattos – “Profissões e competências”. Trabalho apresentado no XI Congresso Brasileiro de Sociologia. Campinas. Unicamp. 2003
    LOPES, Juarez Rubens Brandão – “Crise do Brasil Arcaico – Estudo da mudança das relações de trabalho na Sociedade Patrimonialista”. Difusão Européia do Livro. São Paulo, fevereiro de 1967
    RODRIGUES, Maria de Lurdes – “Sociologia das Profissões”. Celta, Portugal (Oeiras), 1997, pág. 1-128

Obs.: a idéia para esse trabalho era comparar três teorias da Sociologia das Profissões (de todas as apresentadas durante o curso) e comparar através de algum fator em comum.

Trabalho Final de sociologia das Profissões – ano 2004

Nenhum comentário: