terça-feira, 29 de julho de 2008

Comentário sobre duas frases de Francis Bacon

Frases:

“Nem a mão sem auxílio nem a compreensão deixada a si mesmo logram muito.”

“Não é pequena a diferença existente entre os ídolos da mente humana e as idéias da mente Divina, ou seja, entre opiniões fúteis e a verdadeira marca e impressão gravada (por Deus) nas criaturas, tais como se encontram na natureza.”

Existe um conflito entre o que é falso e o que é verdadeiro, as idéias da mente Divina, que estão gravadas nas criaturas (marcas de Deus na natureza), fazem parte da ordem da verdade, enquanto as idéias da mente humana, os “ídolos”, fazem parte da ordem falsa (opiniões fúteis), e esses ídolos são os obstáculos para o progresso científico, segundo Bacon. O homem pensa e faz, ele domina a natureza para depois fazer as leis.

Para fazer ciência é preciso entender e seguir as leis da natureza; para entender a ordem natural é preciso observar, quanto mais se observa mais se sabe, e somente obedecendo as leis da natureza é que se pode vencê-la, e assim conseguir poder, daí vem que ciência e poder do homem se coincidem, originando a famosa frase de Bacon: “Saber é Poder”.

Todas as idéias vem de noções que já se tem das coisas, as teorias científicas se baseiam nessas pré-noções que estão “contaminadas” de falsas idéias, porém a ciência não pode se formar por ideologias. A ciência não produz os meios para produzir os efeitos, a lógica (a nossa lógica não é científica) não é suficiente para a descoberta científica, ela é danosa, por causa dos ídolos que residem na mente humana. Para se entender aquilo que está mais oculto na natureza (compreender a verdade), é preciso de um método que abstraia as noções e os axiomas, para isso coloca-se duas vias: 1) para se chegar aos axiomas parte-se dos sentidos e dos fatos (lógica) e 2) construir os axiomas por meio dos sentidos e dos fatos (empiria), esse último é o mais indicado para alcançar a verdade, desse modo pode-se dizer que a ciência é extremamente empírica.

Para que o conhecimento supere o que está oculto na natureza é preciso de orientação nos experimentos, porém não se deve apenas observar as coisas, mas também conhecer os seus sentimentos, isso porque a verdadeira ciência interpreta a natureza e não a antecipa; com a antecipação não haveria questionamento por parte dos homens, isso porque a natureza humana tende a reduzir o complexo ao mais simples, implicando à uma visão restrita ao que é favorável, as idéias antecipadas seriam mais aceitas por parecerem mais fáceis que a interpretação, e os homens se acomodariam com isso. Para saber algo verdadeiro à respeito da natureza é preciso pesquisar experimentalmente, esse método de experimentação é uma crítica ao racionalismo.

Para a compreensão da verdade os homens devem abandonar suas noções (ídolos) afim de conhecer as coisas como realmente são, pois os ídolos e as noções falsas formam uma barreira na mente humana, principalmente para a “entrada” de novos conhecimentos. É preciso quebrar essa barreira para se alcançar o conhecimento verdadeiro, e para que isso ocorra a solução é a formação de noções e axiomas por indução (método indutivo).

Esse método indutivo consiste em observar e entender os fatos concretos, como se dão na experiência, e transformá-los em formas gerais (leis e causas), isto é, o que se percebe como verdade é estendido à todos os outros fatos, inclusive àqueles que não foram totalmente pesquisados. Aqui acha-se uma oposição ao método indutivo de Aristóteles, este colocava que a indução consistia em, dado um conjunto de fatos, ou coisas particulares, deveria extrair o que existe de geral em cada um deles.

Bacon, apesar de reconhecer a existência do conhecimento a priori, argumentou que, na verdade, o único conhecimento que valia a pena ter é o conhecimento de base empírica do mundo natural, o qual devia ser buscado através de procedimentos sistemáticos, mecânicos, do arranjo das informações colhidas na experiência e observação, que podiam ser melhor conduzidas em pesquisa cooperativa e impessoal. Propondo a observação isenta dos preconceitos, afastando os ídolos, coletando dados e interpretando-os cuidadosamente, conduzindo experimentos para, com todo esse método, aprender o que estava oculto na natureza e sistematizar o que nela parece desordenado e irregular, isso significava romper com o aristotelismo e entrar para o progresso científico, abrindo caminho ao progresso científico.

BIBLIOGRAFIA

  • Bacon – Coleção “Os Pensadores”; trad. José Aluysio de Andrade. Editora Nova Cultural, São Paulo, 1999.
  • Seymour-Smith, Martin. “Os 100 livros que mais influenciara a humanidade: a história do pensamento dos tempos antigos à atualidade”; tradução: Fausto Wolf. Rio de Janeiro: DIFEL, 2002, coleção 100, 1ª edição.
  • Texto: Os Ídolos (aforismos I ao XLVII) - tradução

 

sexta-feira, 25 de julho de 2008

Claude Lefort

    Marcel Mauss inovou a antropologia francesa ao romper com a análise durkheiminiana, a qual estabelece relação causal entre os fatos sociais. Em sua obra, “Ensaio sobre o Dom”, Mauss procura ligar todos os aspectos sociais (economia, jurídico, religioso,...) a fim de compreender a sociedade como uma totalidade. O conceito de fato social total permite a apreensão do “homem total”, ou seja, integra o individual e o coletivo, assim como o objetivo e o subjetivo. Desse modo, abre a possibilidade de interdisciplinariedade das ciências. Porém, quem irá explorá-la é Lévi-Strauss quando une-se aos lingüistas, transpondo o método da lingüística estrutural aos estudos do parentesco e assim integrando-os à teoria da comunicação, a qual tem como princípio a troca entre signos.
    Lefort, no texto “A troca e a luta dos homens” levanta pontos favoráveis das obras de Mauss e através dele faz criticas a Lévi-Strauss pois, entende que ele “construiu um Mauss” com ênfase no sistema simbólico sendo que Mauss pretendia a significação dos fatos sociais. Ele queria entender a intenção contida nas condutas sem abandonar o plano do vivido. Para Mauss a sociedade não é uma abstração.
    A pergunta que permeia a obra de Mauss é: em que condição a sociedade é possível? A resposta é: pela troca. No entanto, em vez de perguntar pelo sentido da troca por dons, Mauss pergunta pela força que existe na coisa dada para que seja obrigatoriamente devolvida. A resposta que obteve, o hau, dá conta de explicar a obrigação de retribuir, porém, não explica a obrigação de dar. A troca fica assim desprovida de relação particular entre quem dá e quem retribuiu mas sim baseada em uma relação mística entre quem dá e a coisa dada, homem e coisa misturam-se.
    Sendo que a interpretação nativa, que Mauss aceita, considera que o hau está contido na coisa trocada, surge a dificuldade de entender o que acontece com o hau quando coisas diferentes, com valores maiores ou menores, são trocadas. O hau poderia, dessa forma, ser dividido e a pessoa continuar a possuir parte do outro mesmo restituindo-lhe algo? Essa questão não é explorada por Mauss.
    Logo, Lefort não deixa de concordar com a crítica feita por Lévi-Strauss à Mauss, visto que este não deu conta de explicar as obrigações de dar, receber e retribuir pelas categorias de mana e hau; também concorda que sua interpretação da troca é física e por isso é impelido a buscar explicação mística baseada em categorias nativas, o que torna sua teoria frágil. Mauss acaba por contradizer-se pois abandona o plano do vivido e cai em um “coisismo”. Já Lévi-Strauss elabora uma teoria metafísica da estrutura social operada pela troca. Sua análise demonstra a existência de regras sociais não aparentes, que só são apreendidas no plano do inconsciente coletivo, o qual se caracteriza pela união de objetivo e subjetivo. A apreensão da “realidade mais profunda”, ou seja, inconsciente, se dá através do subjetivo e não do objetivo, visto que aquele tem a propriedade de ser “objetivável”. Em outras palavras, é no subjetivo que estão as operações inconscientes, as quais fundam as leis empíricas da troca.
    Lévi-Strauss concebe toda sociedade como projeção da função simbólica, um operador lógico inerente ao homem. Sendo assim, a troca estruturalista pretende apreender leis gerais da sociedade tendo como suposto que a função simbólica é universal e invariável. As leis gerais são formuladas em termos de operações matemáticas e a estrutura social é apreendida por meio de modelos.
    Lefort critica este racionalismo de Lévi-Strauss, o qual reduz a troca e, consequentemente, todo fenômeno social a operações matemáticas concebendo a estrutura como relações constantes entre os termos desconsiderando, assim, os aspectos qualitativos. Falta uma análise fenomenológica na teoria de Lévi-Strauss, sendo que a matemática não é mais do que uma representação da realidade e deve ser igualmente submetida à compreensão totalizante.
    Lefort interpreta a noção de inconsciente de Lévi-Strauss como eqüivalendo à consciência transcendental. A dificuldade que Lefort aponta, está na relação entre o transcendental e o empírico, ou, em outras palavras, entre a consciência transcendental como sujeito coletivo e os sujeitos individuais Lévi-Strauss não se atém em estabelecer este elo de ligação.
    Critica Lévi-Strauss por considerar o empírico apenas um meio de se chegar à lógica simbólica, preocupar-se com as regras e desconsiderar os comportamentos.
    Troca não é fato físico nem metafísico, é ato. Deve-se voltar ao plano do vivido para compreendê-la. A partir de então, Lefort passa a responder a pergunta que Mauss não respondeu sabendo-se que a troca é a condição para a sociedade: qual o sentido da troca por dons?
    A troca se apresenta no plano do vivido como uma relação de oposição entre dois sujeitos (sejam coletivos ou individuais). O potlatch serve como exemplo nítido para provar que em toda troca os sujeitos são dependentes e rivais. O dom não é uma necessidade como quis ver Mauss, mas a troca sim, pois pelo seu ato faz-se reconhecer como autônomo, como sujeito. A natureza, apresentada no dom, medeia a troca, ou seja, a confrontação. Ao dar o sujeito se distingue da coisa que possui e consequentemente da natureza. Ao mesmo tempo reconhece a subjetividade do outro que recebe e se opõe a ele.
    A retribuição do dom não é devido à existência de hau contida na coisa, mas sim, supõe que quem recebe a coisa é igual a quem dá. O ato de restituição é, para quem é restituído, a confirmação da sua subjetividade pelo outro ao mesmo tempo que é, para quem restitui, a forma de se afirmar como diferente da coisa, logo, da natureza e opositor ao outro. O ato de destruir o dom, como no potlatch, que é a afirmação do sujeito em contraste à coisa, representa a submissão do outro e da natureza.
    Em suma, por um lado a troca permite perceber semelhanças e estabelecer diferenças entre os sujeitos e por outro entre eles e a natureza.
    Nas palavras de Lefort: “Comportamento dos sujeitos empíricos não se deduz de uma consciência transcendental, esta constitui-se na experiência”. E a experiência é fundada na troca.
    Tal análise permite uma interpretação marxista. A história, como processo dialético em relações de rivalidade entre homens e em relação à natureza, ou seja, o trabalho não existe em sociedade que trocam por dons, há apenas a tendência à autoreprodução através da troca. A condição para que haja história é haver troca generalizada, só assim há a possibilidade de transformação social pela dialética do trabalho.
    Dessa forma Lefort critica Lévi-Strauss a fim de recuperar o marxismo e introduzir a análise histórica na antropologia francesa, já que o estruturalismo não possui historicidade e a análise marxista é baseada na história. Lefort, então, centra sua crítica à Lévi-Strauss nas questões da ação, da subjetividade e da historicidade.
    A proposta do “fato social total” é ver o “mundo” como um todo, no entanto torna-se impossível estudá-lo dessa forma. É preciso então que se faça “recortes” de partes específicas desse todo, selecionando assim os objetos de estudo de acordo com o objetivo de cada cientista.
    A partir disso Lévi-Strauss propõe uma antropologia enquanto um estudo do “homem total”, relacionando o psicológico, biológico e social unindo, assim algumas partes do todo, no entanto ele desconsidera uma parte muito importante que é a fenomenologia. Parte daqui a nossa crítica à Lévi-Strauss, pois ao construir seu estudo põe em segundo plano pontos importantes, como os comportamentos, por exemplo, e enfatiza a questão do transcendental.
    A teoria estruturalista tem como base o conceito de função simbólica, a qual supõe-se universal e invariável. A prova empírica para a função simbólica é que todo ser humano tem a capacidade da linguagem, além disso, o cérebro como constituinte orgânico, é evidente que possua um funcionamento inato.
    Não queremos questionar a essência da base biológica do funcionamento do cérebro variável apenas em casos de deficiências. O que pretendemos é entender a função simbólica enquanto um elemento teórico deduzido do real (a linguagem) e não real.
    Como a intenção do estruturalismo é encontrar leis gerais, este elemento teórico (função simbólica) é necessário para dar coesão à teoria, pois garante que os modelos estruturais construídos pelo cientista seja análogo à estrutura social, visto que a função simbólica é invariável e universal.
    O estruturalismo é o instrumento teórico para analisar um determinado objeto a que o cientista se pretende estudar. Comparamos a uma lente para ver o mundo, a realidade. Queremos esclarecer que pretendemos entender o estruturalismo como teoria obviamente, e não como realidade. Portanto, função simbólica é um conceito da teoria estruturalista e limitada a ela. Não pretendemos aplicá-la além do âmbito do próprio estruturalismo.

Trabalho Antropologia Contemporânea - 2002
Bibliografia:
LEFORT, C. “A troca e a luta dos homens”. In: As formas da história. São Paulo: Brasiliense, 1979
MERLEAU-PONTY, M. “De Mauss a Claude Lévi-Strauss”. In: Os Pensadores. São Paulo: Abril, 1980

sábado, 19 de julho de 2008

O suicídio e os fatores cósmicos

Introdução

No trabalho que será apresentado a seguir, será exposto como foi feita a pesquisa e o que se concluiu no texto “O suicídio e os fatores cósmicos”, mostrando as hipóteses e provando-as, e achando as relações, quando existe, entre elas. E no final, será apresentada conclusão desse estudo.

O suicídio e os fatores cósmicos

No texto “O suicídio e os fatores cósmicos”, o suicídio é a variável a ser explicada e os fatores cósmicos é a variável explicativa, que sofre influência de uma terceira variável que são as relações sociais. Entre os fatores cósmicos dois se destacam: o clima e a temperatura.
O local tomado como base para o estudo é a Europa, então é a partir de seus fatores que será formulada a pesquisa e dela será tirada a conclusão.
A primeira hipótese a ser testada é o clima. Durkheim, baseado nos estudos de Morselli, em como os suicídios se distribuem no mapa da Europa, segundo os diferentes graus de latitude, observa que nos países localizados em zona mais temperada, há maior desenvolvimento do suicídio; porém, isso não pode ser comprovado, pois este fato não é constante em todos os países de clima temperado; e na Itália, onde o clima é constantemente o mesmo (temperado), a taxa de suicídio é a menor. Portanto, não compensa insistir numa hipótese que não foi comprovada e é contrariada pelos fatos.
Uma segunda hipótese é a influência da temperatura na taxa de suicídio. Durkheim expõem que pelo senso comum e pela simplicidade do fato (considerado pelas pessoas comuns), as pessoas são levadas a crer que é nas estações frias que ocorre um maior número de suicídio, mas baseado nos dados estatísticos pode-se perceber que é nas estações mais quentes que ocorre maior número de suicídios. Baseado em Ferri e Morcelli, ele coloca que o calor tem uma influência direta no suicídio, uma vez que aumenta a excitabilidade do sistema nervoso e provoca uma alienação mental, mas isto é posto a prova, pois os suicídios podem ser resultados de uma depressão extrema e não é provado que as estações interfiram na movimentação da curva de alienação mental.
Tudo o que se pode concluir desses fatos é que as temperaturas extremas sejam as mais quentes ou as mais frias, favorecem o desenvolvimento do suicídio. E, se a causa fundamental das oscilações fosse a temperatura o suicídio deveria variar com ela, porém isto não acontece. Desse modo, percebe-se que somente a temperatura não influi diretamente na taxa de suicídio, então deve haver um terceiro fator que também influencia nas taxas de suicídio.
Uma outra hipótese é que deve haver uma relação entre a duração do dia e as taxas de suicídio; percebe-se que nas sociedades européias, mesmo o suicídio sendo dividido de forma igualitária entre os meses, o número maior de suicídio ocorre durante o dia; isso é o que prova a relação entre a taxa de suicídio e a duração do dia, mas não prova completamente. Assim, é natural que os suicídios aumentem à medida que os dias fiquem mais longos. Isto se explica, pois o dia favorece o suicídio porque é nele que se tem uma maior relação entre as pessoas, ou seja, a vida social é mais intensa. Observamos o auge do suicídio na parte da manhã e da tarde, que é onde o movimento dos negócios é mais rápido. Percebe-se também que o suicídio diminui conforme chega o final de semana.
De certo, “a vida urbana é também mais ativa durante o período de Verão. As comunicações são mais fáceis nessa altura do ano e, por isso, as deslocações multiplicam-se e as relações intersociais tornam-se mais numerosas”. Com tudo isso, observamos a terceira variável, citada no início do texto, que são as relações sociais.
Portanto, conclui-se que as ações diretas dos fatores cósmicos não podem explicar as variações mensais ou temporárias dos suicídios, se as mortes voluntárias são mais numerosas quando as temperaturas são elevadas não é porque o calor tem uma influência perturbadora nos organismos e sim porque as relações sociais são mais intensas. Ou seja, os fatores, como o clima e a temperatura, não podem ser diretamente as causas do suicídio, mas sim influenciados pelas relações sociais, que são diferentes em cada época, causam um aumento na taxa de suicídio.

Conclusão

Aós a análise dos estudos de Durkheim concluí-se que, nada influi tão diretamente nas pessoas e na sociedade, como as relações sociais; mesmo as taxas de suicídios sendo influenciadas pelos fatores cósmicos, há uma terceira variável que determina, e que sem ela as coisas não têm nexo, que são as relações sociais.

Trabalho de Pesquisa Social - 2002

sexta-feira, 18 de julho de 2008

Resenha: “Para além da esquerda e da direita – o futuro da política radical (cap. 5, 6, 7)” - Anthony Giddens

No texto “Para além da esquerda e da direita – o futuro da política radical”, Giddens procura salientar, através de uma análise crítica e investigativa, todos os principais pontos do porque o modelo do Welfare State não ter sido vitorioso. Ele irá propor uma nova forma de pensamento, um novo modelo de desenvolvimento que se sobrepõe sobre os que já estão formulados, pela esquerda e pela direita. É a busca por uma terceira via, esta como resultado de interações e ajustes dos países no sistema de globalização.

No texto, o autor preocupou-se em apontar características do Welfare State, trazendo com estas críticas próprias e as relevâncias que a direita e a esquerda punham em pauta sobre este modelo. Lidar com o desemprego pós-depressão e praticar modelos previdenciais (que vieram no período da Primeira Guerra) foram os elementos básicos de sua criação. O Estado deveria marcar mais fortemente sua presença, assumindo, assim, o papel de proporcionar as condições necessárias para garantir o bem-estar da população. As instituições previdenciais, bem como a ligação do modelo com a idéia de Estado Nacional e a administração de risco constituem as fontes estruturais deste modelo.

Dentro das três principais temáticas nas quais o Welfare State enfrenta problemas (trabalho, solidariedade e administração de risco) Giddens procura salientar os principais equívocos da política do bem-estar social para em seguida expor conceitos, vertentes, soluções para estas questões. No que tange a discussão sobre trabalho, Giddens aponta a passagem do modo de produtivismo para a produtividade como conseqüência moderna do declínio do trabalho integral e “patriarcal”, rompendo com a idéia predominante do pleno emprego. Numa sociedade pós-escassez, a autonomia e a flexibilidade no sistema de produção estão intimamente ligadas com a questão da produtividade. Isso também se fortalece com a entrada cada vez mais freqüente das mulheres no cenário empregabilístico, o que muito fortalece para quebrar a distinção do etos trabalho e ida social. Uma produtividade, que seria um ótimo investimento de tempo, proporciona uma redução na jornada de trabalho, o que flexibiliza as contratações, ao mesmo tempo, impossibilitando possíveis mecanização de trabalhadores. Nesta fase pós-escassez, a junção de uma maior autonomia por parte do trabalhador com o aumento da produtividade é conseqüência evidente, de superação do antigo modelo e implementação de uma nova coerência na questão trabalhista.

No que diz respeito a administração de risco,discussão esta que Giddens procura aprofundar sobre o sistema previdenciário, insistindo na divergência entre risco externo e risco artificial. Esta vertente de análise concentra poucos estudos e Giddens opta por dar uma ênfase especial. Para o autor o sistema previdenciário no estado de bem-estar não implica, meramente, em problemas de caráter fiscal, já que havia um momento em que o ônus gasto com pensões era por deveras grande, frente a arrecadação tributária. Existia também um problema social-cultural, perda e autonomia, seguida de desconfiança, diante da dependência previdenciária, decorrentes da distribuição centralmente organizada que tentara, sem sucesso, uma distribuição de renda e eficiência econômica. O sistema previdenciário beneficiava principalmente uma classe média que crescia, paralelo à assistência aos pobres, o que mantinha a situação estável.

Outra característica do sistema previdenciário do Welfare State era a pauta e atuação no campo do risco externo. Este conceito consiste na atuação do estado em políticas de recuperação, assistindo à casos que muitas vezes seriam cabíveis de serem prevenidos. É menos oneroso para o Estado, por exemplo, realizar “programas gerativos” de ação, sejam ele de caráter informativo, seja na melhoria dos veículos, dentre outros, do que gastar receitas significativas com tratamento ou indenizações, isto é a chamada Previdência Positiva proposta por Giddens, Além disso o próprio tratamento dado ao idoso deveria ser mudado. No Welfare State, este setor social é desqualificado da condição de membro completo da sociedade, mantendo o vínculo apenas sob a forma de dependência previdenciária. Para o autor, uma política de segunda chance, ou seja, de açodo com suas palavras “colocar desempregados em empregos”. Pessoas se recaem, identidades são danificadas quando expostas à condição de desemprego. Uma política de segunda chance trabalha com o aspecto social e psíquico das pessoas, tarefa fundamental para um bom governo.

Na análise da relação solidariedade e associação de classe, Giddens aponta para o enfraquecimento da solidariedade de classe, contrariando a idéia de Marx sobre a associação de classe na luta por fins comuns. No mundo globalizado passam a existir novos modos de regionalização, estratificação, dificultando uma solidariedade classista. Um ponto interessante na argumentação é a questão da “subclasse”. O autor aponta três visões: a esquerda argumentando que essas subclasses são marginalizadas do sistema; a direita se defende alegando que na realidade estas subclasses se excluem do sistema para justamente receber os benefícios do Welfare State; enquanto que, para Giddens, as subclasses não devem ser vistas como problema apenas interno, mas um eixo de ligação entre o Primeiro e o Terceiro Mundo, sob a fora de reflexo. O autor propõe uma nova forma de desenvolvimento, reconhecendo e tentando resolver a pobreza global (percebe-se a constante visão globalizante de Giddens). Ele denomina essa questão como “desenvolvimento alternativo” e aponta características como a necessidade de engajamentos reflexivos, fortalecendo entidades de auto-ajuda; preservar culturas locais, limitando danos no campo cultural e ambiental; a pobreza não deve ser vista como uma resultante econômica apenas; melhorar a condição feminina (já crescente); saúde pública autônoma; fortalecimento da instituição familiar e reconhecer direitos. Ele aponta esta alternativa justificando pela necessidade de uma nova política de inclusão social, ao mesmo tempo que rejeita a idéia do produtivismo.

Enfim, o texto deixa claro que Giddens adota uma posição contrária à aplicação da teoria keynesiana que resulta o Estado de bem-estar, afirmando que o desenvolvimento, o crescimento, a melhora de condições de vida devem se fundamentar em atos e idéias que vão “para além da esquerda e da direita”.

Políticas Públicas - outubro/2003

quinta-feira, 17 de julho de 2008

Maquiavel, Hobbes, e o Estado Forte

Distanciados por mais ou menos um século e meio um do outro, foram publicados dois tratados clássicos da Ciência Política: um na Itália e o outro na Inglaterra. Um intitulo-se “O Príncipe”, de 1513, de autoria do escritor florentino Nicolau Maquiavel e o outro chamou-se “O Leviatã”, de 1650, do pensador britânico Thomas Hobbes. Vivia-se na época da afirmação da Monarquia Absolutista, período conturbado onde as forças feudais e populares acirravam a disputa pelo controle sobre as monarquias nacionais, gerando permanente instabilidade, daí ambos defenderem, de maneiras diferentes, o reforçamento do poder do Estado.

Monarquias e Repúblicas

A Itália dos séculos XV e XVI, na época de Maquiavel (1469-1527), era uma colcha de retalhos onde uma série de cidades-livres como Milão, Veneza, Gênova, Florença, etc. conviviam com os Estados Pontifícios controlados diretamente pela Igreja. Também foi palco de uma série de invasões estrangeiras que se deram a partir de 1494, ocorrendo até o terrível saque de Roma feito em 1527 por tropas do imperador Carlos V. Internamente, a Península Italiana estava dividida em principados seculares e religiosos, em várias tiranias e em regimes republicanos comunais-populares, além da histórica rivalidade entre Guelfos e Gibelinos. No resto da Europa, entretanto, formavam-se monarquias-nacionais poderosas, nas quais os reis, ao contrário do que se passava na Itália, concentravam cada vez mais poder e autoridade, sobrepondo-se à alta nobreza e à influência da Igreja. Havia, pois, múltiplos poderes: o da Igreja Católica, o dos nobres, o das cidades-livres, o dos tiranos, e o dos reis estrangeiros, contribuindo isto tudo para um clima de dilaceramento e perturbação geral, fazendo com que tal situação trouxesse muitos padecimentos à Itália. É de supor-se que a longa descrição que Dante fez do Inferno na sua Comédia (aparecida entre 1313-1316) tenha sido resultado do seu desgosto com a situação em que sua amada península se encontrava.

Quem deve fazer a Política?

Para Maquiavel as coisas da política não eram da esfera da Igreja, que devia limitar-se aos assuntos da República dos Céu, nem das Comunas, mas sim do Príncipe. Qualquer um que fosse aventureiro ou hereditário, que assumisse controle do Estado e exercesse o poder em seu nome. Ele deve reunir para tal uma série de condições, tal como concentrar em si a astúcia da raposa e a coragem do leão, inclusive ser dissimulado e perjuro se a segurança do Estado assim o exigir. E deve eliminar, sem contemplação ou hesitação, tudo aquilo que possa ameaçá-la, preferindo ser temido do que amado, pois ele sempre tem em conta a volubilidade humana. O príncipe não hesitará em recorrer ao crime se for necessário, mas deve "abster-se dos bens alheios, posto que os homens esquecem mais rapidamente a morte do pai do que a perda do patrimônio" ("O Príncipe", cap. XVII). A sua política deve orientar-se sempre pelos critérios da eficiência, daquilo que se chama de pragmatismo: "Procure, pois, um príncipe, vencer e manter o Estado: os meios serão sempre honrosos e por todos louvados, porque o vulgo sempre se deixa levar pelas aparências e pelos resultados ( "O Príncipe", cap. XVIII). Salienta-se que essa apologia ao Estado Forte e concentrado nas mãos do príncipe devia-se a Maquiavel ver nele a única forma de afastar a influência das monarquias estrangeiras, "os bárbaros", dos assuntos internos da Itália, devastada pela intriga e por guerras intestinais sem-fim.

A Inglaterra convulsionada

Thomas Hobbes (1588-1679) era um intelectual monarquista convicto que foi obrigado a exilar-se na Holanda durante a Revolução Puritana, ocorrida na Inglaterra entre 1642-1658, liderada por Oliver Cromwell. O Rei Carlos I havia sido preso pelos revolucionários e submetido a um tribunal parlamentar que o condenou à morte em 1649. Durante este tempo todo a nação inglesa viveu uma intensa convulsão social e política com várias facções brigando entre si pelo controle político da revolução. Finalmente Oliver Cromwell, o homem forte do novo regime, submetendo as facções, com o título de Lord Protector, inaugurou a chamada Commonwealth, a república, submetendo o parlamento a uma ditadura que durou até sua morte. Os seus seguidores ,entretanto, pouco puderam fazer quando, pouco tempo depois, o general. Monck restabeleceu a monarquia fazendo com que o príncipe Carlos, exilado na França, retornasse à Inglaterra para ser coroado como Carlos II.

O Leviatã

Para Hobbes, na sua obra magna "O Leviatã", de 1650, é claro que a única autoridade existente num reino devia ser a do rei, do monarca absolutista. A razão disto deriva da visão que ele tinha da sociedade. Hobbes entendia-a sempre ameaçada de se ver mergulhada numa permanente guerra civil, onde todos os seus integrantes facilmente resvalavam para uma guerra de um contra todos e de todos entre si. O estado da natureza segundo ele, que muitos outros pensadores imaginavam idílico, não tinha nada de harmonioso. O mundo antigo dos primeiros homens era um mundo de feras, onde "o verdadeiro lobo do homem era o próprio homem". Para transcendê-lo, superando a bestialidade primitiva, e chegar a uma sociedade civil era necessário que todos, por meio de um contrato social, concordassem em transferir as suas liberdades naturais a um só homem: o Rei. Somente ele, a figura coroada, é quem deteria o monopólio da violência. Este monarca deve ter poderes completos que permitam-lhe impor sua vontade sobre todos para o bem geral da comunidade. Não existe, sob seu ponto de vista, nem direito à propriedade, nem à vida, nem à liberdade, que não sejam garantidos diretamente pela autoridade real. Assim, no entendimento de Hobbes, rebelar-se contra ela, contra a autoridade absoluta do soberano, significa regredir ao reino animal da natureza, onde impera sempre a violência aberta, onde as regras zoológicas sobrepõem-se às humanas. O rebelde, portanto, ao injuriar e levantar as armas contra o rei, ofende não só a majestade do poder, mas põe em risco as próprias conquistas da civilização.

http://educaterra.terra.com.br/voltaire/