domingo, 7 de junho de 2009

“Informal”, Ilegal, Injusto: Percepções do Mercado de Trabalho no Brasil – Eduardo Garuti Noronha

Título: ‘INFORMAL’, ILEGAL, INJUSTO: PERCEPÇÕES DO MERCADO DE TRABALHO NO BRASIL
Autor: Eduardo Garuti Noronha
Páginas: 24
Ano: 2001
Tipo: Artigo acadêmico

    Neste artigo discute-se os diferentes significados de ‘informalidade’, bem como as noções de contratos de trabalho legítimos. Em seguida, busca-se redefinir ‘informalidade’ com base nos diferentes princípios que guiam as interpretações de economistas, juristas e da ‘opinião pública’. Na primeira parte do artigo faz-se um breve resumo do surgimento da ‘informalidade’ como problema social. Nos itens 2 e 3 critica-se o uso do conceito de ‘informalidade’ dada a diversidade de situações contratuais que se tenta abarcar com o termo. Na quarta parte, argumenta-se sobre a necessidade de se analisar as noções populares (senso comum) de contrato de trabalho ‘justo’ por serem acepções que mantém relações reflexivas com as noções econômicas e jurídicas de contratos legítimos. Nos últimos dois tópicos são examinadas as dificuldades analíticas do tema no Brasil dada a diversidade de processos geradores de ‘informalidade’ que se sobrepõem no tempo e no espaço.

INTRODUÇÃO
    Os mercados e os trabalhos ‘informais’ no Brasil são percebidos como problemas econômicos e sociais, pois representam rupturas com um padrão contratual único (ou quase), isto é, o contrato ‘formal’. A informalidade aparece tanto mais como um problema quando mais a noção de ‘padrões mínimos legais’ não é consensual.
    O significado da dupla ‘formal’/’informal’ não é claro, bem como não há pertinência de contratos homogêneos nem sobre o papel da legislação nos contratos de trabalho. Argumenta que o conceito ‘informalidade’, embora seja amplamente adotado pelas ciências sociais e pela economia, refere-se a fenômenos demasiadamente diversos para serem definidos por um mesmo conceito.
    Na versão mais adotada pelos sociólogos e pelo senso comum, o conceito de ‘mercado formal’ deriva da ordem legislativa, isto é, “formal” significa com registro em carteira (legal). Esse conceito é contraposto com diversos tipos de contratos ‘informais’, abrangendo os ilegais (criminosos, como o trabalho escravo), os trabalhos familiares, entre outros. Trata-se a ‘informalidade’ como se fosse um fenômeno uniforme, objetivo e mensurável.

1. DEFININDO O PROBLEMA: O SIGNIFICADO DE ‘INFORMALIDADE’:
    “No início do século XX, começou a se desenvolver o mercado de trabalho, no sentido moderno do termo, como a forma predominante de produção de bens e serviços. Durante as primeiras três décadas, o trabalho transformou-se numa mercadoria livremente negociada, já que leis e contratos coletivos eram quase inexistentes. Durante as décadas de 1930 e 1940, o corporativismo de Estado de Vargas estabeleceu um amplo código de leis do trabalho, o qual marcou o mercado nacional por todo o século. A partir de então, as noções de "formalidade" e "informalidade" foram pouco a pouco sendo construídas. As estatísticas indicam um longo processo de formalização das relações de trabalho, sedimentado sobretudo por leis federais e, apenas secundariamente, por contratos coletivos.
     A legislação do trabalho estabelecia, de maneira cada vez mais detalhada, quais eram as regras mínimas de relações de trabalho justas. Salário mínimo, jornada de trabalho, férias anuais e muitos outros direitos foram definidos por lei. Muitos direitos sociais também foram garantidos aos trabalhadores. Wanderley Guilherme dos Santos descreveu essa história como a do desenvolvimento de uma "cidadania regulada", isto é, um processo no qual as diversas categorias de trabalhadores obtiveram direitos sociais (e do trabalho) de acordo com sua posição no mercado. Entre as grandes categorias, uma das últimas a obter sua "cidadania" foi a dos trabalhadores rurais na década de 1960. Assim, especialmente a partir de 1930, o mercado de trabalho brasileiro e as questões do subemprego ou da "informalidade" só podem ser entendidos como resultados da própria construção da noção de "formalidade", que, por sua vez, está associada às noções de cidadania e de direito social.
     Nos anos de 1970 o perfil do mercado de trabalho já era claramente dual: a maioria dos trabalhadores industriais havia sido incorporada ao mercado formal, bem como expressiva parte dos trabalhadores do setor de serviços. Além disso, o processo simultâneo de urbanização diminuiu de modo significativo, em poucas décadas, o número de trabalhadores rurais, os quais se encontravam fundamentalmente no mercado de trabalho "informal", ou em outras relações não propriamente contratuais de trabalhos familiares, em economias de subsistência e com práticas "contratuais" tradicionais. A urbanização e a industrialização ampliaram também a massa de trabalhadores subempregados, mal incorporados ao mercado de trabalho.
     A invenção peculiar da carteira de trabalho teve variados significados simbólicos e práticos. Durante muito tempo funcionou (e marginalmente ainda funciona) como uma verdadeira carteira de identidade ou como comprovante para a garantia de crédito ao consumidor, prova de que o trabalhador esteve empregado em "boas empresas", de que é "confiável" ou capaz de permanecer por muitos anos no mesmo emprego. Hoje, seu significado popular é o compromisso moral do empregador de seguir a legislação do trabalho, embora, de fato, não haja garantia, pois os empregadores podem, na prática, desrespeitar parte da legislação e os que não assinam podem ser processados. De todo modo, a assinatura em carteira torna mais fácil ao empregado a comprovação da existência de vínculo empregatício. Enfim, popularmente no Brasil, ter "trabalho formal" é ter a "carteira assinada". ”

2- CRÍTICA AO USO DO CONCEITO DE ‘INFORMALIDADE’
    As ambigüidades do conceito derivam de seu nascimento. Sua origem não é estritamente acadêmica, mas institucional e o termo foi cunhado para retratar uma sociedade não tipicamente urbana e industrial. A despeito disso, o termo tem sido usado para descrever uma ampla gama de situações urbanas-industriais, bem como para classificá-las e mensura-las através de metodologias diversificadas de institutos de estatísticas nacionais e internacionais.
    A tradicional distinção entre empregado e autônomo, bem como entre autônomo e empregador, baseia-se o grau de subordinação ou dependência.

3. TRÊS (OU SEIS) EXPLICAÇÕES PARA O TRABALHO ‘INFORMAL’
    São três explicações que levam a mais três (então na verdade, são seis explicações para a informalidade), divididas em abordagens econômicas e abordagens sociológicas e/ou normativas:

Abordagens Econômicas Abordagens sociológicas e/ou normativas

Velha Informalidade

- trata-se de uma abordagem tipicamente econômica, pois toma o investimento como a variável principal. Visa explicar a “informalidade’ de uma economia em transição, geradora de desempregados, sub-empregados ou empregados ‘informais’ nos centros urbanos industrializados, muitos deles recém migrados de áreas rurais.

- abordagem ‘desenvolvimentista’ do mercado de trabalho.

- a ‘informalidade’ é entendida como negativa ou neutra por ser um fenômeno típico de sociedades em transição, o qual será solucionado com o próprio desenvolvimento.

Informalidade Pobre

- Inclui diversos tipos de trabalho ‘pobres’ sob o mesmo conceito, sendo, portanto, mais empírica que a ‘velha informalidade’.

- A abordagem deriva (1) das tentativas da OIT de criar conceitos capazes de incluir as ‘informalidades’ dos vários países e (2) das tentativas de se adaptar a tese da velha ‘informalidade’ aos novos trabalhos atípicos.

- julgam a ‘informalidade’ negativa.

Informalidade Neoclássica

- Afirma que a ‘informalidade’ é o resultado natural da ação de empresas em busca da maximização de suas rendas em países com altos custos indiretos de força de trabalho, impostos por lei, ou rígidos acordos coletivos.

- Mainstream econômico internacional

- a ‘informalidade’ é vista como positiva por ser o meio pelo qual o mercado corrige os efeitos negativos de normas rígidas do mercado de trabalho.

Informalidade Jurídica

- Assemelha-se à variante neoclássica pelo foco na regulação do trabalho, mas representa seu espelho negativo por ver o excesso de liberdade do mercado na regulação das relações de trabalho como destruidor das intervenções legais necessários à garantia de condições mínimas para a sedimentação de contratos de trabalho (entendido como um contrato entre desiguais) socialmente justos.

- Abordagem típica de profissionais da área jurídica e cientistas políticos, especialmente em países com relações de trabalho de tradição, corporativista, neocorporativista ou legislada.

- vê a informalidade como negativa.

Nova Informalidade

- a ‘informalidade’ é o resultado natural de mudanças no processo de trabalho, de novas concepções organizacionais e novos tipos de trabalho, sem tempos ou espaços fixos, gerados pela sociedade pós-fordista ou pós industrial.

- escola regulacionista, analistas das sociedades pós-industriais ou da pós-modernidade.

- vê a ‘informalidade’ como relativamente neutra, pois embora cause problemas sociais no curto prazo (negativo), representa uma mudança estrutural nos padrões de trabalho.

Informalidade da Globalização

- afirmam que a realidade não mudou, isto é, que a natureza e características do trabalho permanecem essencialmente as mesmas: as mudanças ocorreram devido ao aumento da competição internacional, estimulada pelo credo neoliberal, as quais levaram ao crescimento do desemprego e de trabalhos precários e instáveis.

- sociólogos críticos da globalização e marxistas.

- informalidade vista como negativa.

     No Brasil as 3 (ou seis) explicações têm algum grau de acerto. A velha ‘informalidade’ ainda está em vigência em diversas regiões ou atividades; o argumento da ‘informalidade’ neoclássica tem solo fértil no Brasil, dado o modelo legislado de relações de trabalho; por outro lado, o contra-argumento ‘jurídico’ é forte à medida que o direito do trabalho é a fonte do direito social no país, e não o oposto.

4. O CONTRATO DE TRABALHO ‘JUSTO’ SEGUNDO O SENSO COMUM
    Na visão popular, os contratos legais (com registro em carteira) opõem-se aos ‘informais’ (sem registro) e não aos ilegais (entendidos como criminosos), expressando a mistura de influências dos dois sistemas classificatórios concorrentes da economia e do direito.

Resumo para Monografia -2005

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