segunda-feira, 20 de julho de 2009

A Elite Eclesiástica Brasileira – Sérgio Miceli

Os processos de habilitação do jovem desejoso de ingressar na organização eclesiástica eram os documentos produzidos devido a exigências canônicas. Através desses documentos é que a Igreja fazia a investigação sobre as origens sociais do jovem, “pureza de sangue”, sua naturalidade, local de residência, profissão, legitimidade da condição familiar, etc. E todos esses dados eram obtidos através de testemunhas fidedígnas. Depois, o vigário do local onde o habilitando morava fazia perguntas, durante a missa, sobre ele, para confirmar os dados já obtidos. Por último, investigava-se o patrimônio da família do habilitando e quanto ela poderia dispor à Igreja (como pagamento pelos estudos do filho no seminário).

A grande maioria de documentos acessíveis a respeito do clero, em geral sobre integrante da alta hierarquia, foi produzida por membros da organização eclesiástica ou por intelectuais católicos especialistas em trabalhos de propaganda e celebração. Parte das biografias é de autoria de padres com pretensões de acesso ao episcopado, empenhados em relatar a trajetória de seus antecessores hierárquico como estratégia antecipada de canonização ou ainda podiam ser elaboradas histórias eclesiásticas regionais. Estas obras eclesiásticas são instrumentos eficazes nas lutas internas, no que tange o acesso aos postos de comando organizacional, empenhadas em firmar uma tradição de dinastias, cujas chances de continuidade passam a depender dos mandatos episcopais dos próprios biógrafos e assim oferecem uma avaliação circunstanciada das condições sociais em que foram produzidas. Os testamentos são a única fonte autobiográfica redigida pelos “prelados” e “constituem um balanço das iniciativas de uma gestão diocesana, da perspectiva do mentor e principal interessado”, além de ajudarem na reconstrução da divisão do trabalho religioso nas dioceses e conterem informações sobre momentos marcantes da trajetória política dos bispos no interior da corporação eclesiástica.

Além dessas fontes biográficas, haviam as histórias de vida, os perfis dos prelados, e as poliantéias. “As histórias de vida contemplam um elenco diversificado de membros destacados do clero que firmaram sua reputação em função dos serviços especializados que prestaram à organização eclesiástica”. Essas obras baseavam-se na vida dos santos, com virtudes excepcionais, vocações, sua vida modelo, etc. Os perfis biográficos foram possíveis, pois seus autores mantiveram convívio íntimo e prolongado com seus homenageados/protetores, e os próprios autores buscavam identificar essas relações nos documentos, bem como a confiança que lhes era depositada. As poliantéias “são obras editadas apenas em circunstâncias bastante especiais, em geral como livros comemorativos do jubileu episcopal, às vezes por encomenda do próprio interessado”. Até mesmo as edições, capas, fotos eram mais luxuosas que as normais. Fotos dos principais momentos do homenageado, textos exaltando suas virtudes, etc, compunham essas obras.

Além disso, muitos foram os intelectuais que escreveram obras clericalistas. Alguns uniram a defesa dos interesses eclesiásticos junto às instâncias e autoridades governamentais. Assim, os ‘prelados’ se dividem em três grupos. Em primeiro, pelos filhos da antiga aristocracia imperial, que tinham interesses econômicos, comerciais e eram proprietários de terras e engenhos. Os segundos, eram os filhos do patriarcado rural falido ou decadente, e viviam às custas das corporações eclesiástica e militar. E os terceiros, eram jovens entregues aos cuidados de algum membro do clero, de uma ordem religiosa ou de um seminário, que assumem os encargos de reprodução material e educação desses jovens e deles se apossam como ‘donos’.

Resenha Pesquisa Qualitativa – ano 2003

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