quinta-feira, 14 de maio de 2009

“Vargas e a Crise dos Anos 50” – Trabalhismo e democracia: o PTB sem Vargas – Angela de Castro Gomes

O PTB sem Vargas:
-    O suicídio de Vargas é um dos acontecimentos políticos mais importantes da história do Brasil recente, comparando-se só  às crises políticas de 1964 e de 1992/93.
-    Este artigo busca analisar alguns aspectos da trajetória do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) sob o qual o suicídio teve impacto muito significativo, pois a morte de Vargas foi um choque para o sistema partidário como um todo.
-    A morte de Vargas além de revitalizar seu carisma, transformava as características e a força do “getulismo”, pois este perdia a dimensão de movimento social.
-    Se o “getulismo” foi um ponto de inflexão na trajetória do sistema partidário pós-45, maior foi seu impacto no  interior do PTB, uma vez que este partido nascera sob a sombra do carisma de Vargas.
-    As eleições para o Congresso em outubro de 1954 foram o 1 grande teste. E a partir dele viu-se que o desempenho do PTB nessas eleições foi medíocre. No RS, o candidato ao Senado, João Goulart (presidente do Diretório Nacional do PTB) não conseguiu se eleger; Em SP que era outro estado estratégico para o PTB, seu empenho eleitoral fora inferior ao alcançado em 1945.
-    O PTB não convertera o suicídio em votos, vivendo em 1954 um momento difícil e extraordinário em sua história, com problemas existentes de sua criação no Estado Novo.
-    O PTB nascera no bojo de articulações políticas montadas segundo o modelo corporativista.
-    Não possuía numerosas nem grandes lideranças políticas nacionais e estaduais;
-    Não  se construíra a partir de núcleos dispersos em vários estados e municípios;
-    Não se estruturara como forte máquina partidária.
-    O eleitorado do PTB apresentava um perfil urbano e concentrado.
-    No entanto este partido tinha um recurso de poder nada desprezível que era sua doutrina trabalhista alicerçada no carisma de Getúlio.
-    Na década que vai de 1954 a 1964, o PTB vive um duplo esforço de afirmação e de renovação enquanto partido político, embora permanecesse um partido altamente oligarquizado.
-    As práticas do PTB são entendidas como orientadas por uma investida organizacional extremamente pragmática e por uma preocupação doutrinária que investe em divulgação e propaganda, e que, sem abandonar o getulismo, aposta na renovação ideológica do trabalhismo.
-    A partir das eleições de 1955 com a utilização, pela 1ª vez, da cédula oficial, os ganhos eleitorais do PTB foram positivos. Em início dos anos 60 já era 2ª  maior força de eleições vice-presidenciais, de bancada no Senado e na Câmara Federal e 3ª  entre os governadores, deputados estaduais e vereadores. Isso se dava pois as siglas trabalhistas dessa época não ofereciam potencial de concorrência para o PTB.
-    A estratégia de análise utilizada pela autora para discutir os aspectos da dinâmica política, a organização e doutrina do PTB é acompanhar a atuação de um dos grandes nomes do partido: San Tiago Dantas.

O trabalhismo como recurso de poder:
-    O PTB nasceu vinculado a um esforço cuidadoso e sistemático de doutrinação ideológica.
-    O sucesso imediato do partido deveu-se o vínculos com o movimento sindical e o apelo do trabalhismo. Essa ideologia era materializada na pessoa de  Vargas, no entanto O PSD, igualmente getulista, não era um partido carismático e ideológico como PTB.
-    O PTB aprendeu desde o berço duas lições básicas: a eficácia de seu poder estava associada à força da representação que construíra para ele mesmo e a construção dessa representação estava associada à fixação de idéias que demandavam variados e modernos meios de comunicação.
-    A situação do PTB não era cômoda no pós-45 e precisou esforçar-se entre 46 e 50 p/ fazer jornais trabalhistas.
-    Até 1954 a presença de Vargas funcionava como ponto de referência para manutenção da unidade do partido e solução dos conflitos internos. Após esta data, crescia as divergências e a  competição no interior do partido.
-    Em 1959 San Tiago Dantas entra no PTB e tem uma atuação destacada na revitalização e na propaganda do trabalhismo. Ele adquire o Jornal do Comércio e transforma-o em veículo de vanguarda das idéias nacionalistas e lugar de depuração de idéias doutrinárias do partido.
-    San Tiago entra no partido ao lado de Jango e com ele permanece até 1964.
-    Em 1958 Leonel Brizola projeta seu nome em escala nacional por sua atuação polêmica como governador e passa a partir do início do governo de Jango a radicalizar suas posições. Torna-se então  apoio, garantia e fator de pressão para o presidente João Goulart.
-    Após o suicídio de Vargas, incrementou-se no PTB a luta e a busca por novos conteúdos para o trabalhismo.

O trabalhismo e a “revolução democrática”:
-    San Tiago classifica o trabalhismo como “moderado”, quando associado à amizade com o PSD, pois havia a necessidade política de aliança entre os dois partidos. Tal classificação possui objetivos eleitorais, seguindo uma estratégia de valorização do PTB em nível estadual.
-    O discurso trabalhista de San Tiago traz a “errônea identificação entre trabalhismo e estadismo”. O PTB defendia a intervenção do Estado nas relações econômicas do país, mas não viam que isso elevava os custos ao invés de aumentar a produtividade. Essa confusão preocupava ainda mais em termos políticos.
-    Para San Tiago, crescia uma postura antidemocrática que unia nacionalismo, estadismo, antiimperialismo e radicalismo político. O PTB tinha nesse contexto um papel fundamental por ser o grupo mais consistente, nacionalista e democrático.
-    Os temas da crise e das reformas sociais (reformas de base) dominam as preocupações de San Tiago desde 1959, quando a implementação dessas reformas era qualificado como “revolução branca”, pois se realizava dentro da legalidade e seguia uma dinâmica de reformismo social progressivo e de rejeição ao radicalismo político e ideológico.
-    O diagnóstico da crise era esquematizado em três desigualdades: 1) renda entre proprietários e assalariados; 2) regiões e 3) cidade e o campo.
-    A proposta de San Tiago para o trabalhismo do PTB e para a busca de aliados políticos é a realização de reformas moderadas e de comprometimento com os princípios democráticos. A luta pela reforma social era a própria luta pela democracia. Mas os riscos dessa reforma eram grandes, pois a reforma social podia abrir seu caminho antidemocraticamente ou ser barrada.
-    Assim o centro de sua proposta talvez seja  “reformas decididas mas prudentes”.
-    Para San Tiago, uma orientação política nacionalista independente devia dominar as relações internacionais do país, pois só assim se completaria o processo de industrialização iniciado nos anos 30.
-    Os sucessivos fracassos na trajetória de San Tiago indicam as resistências crescentes  encontradas no interior de seu partido e na cena política em geral.
-    As oscilações de Goulart, aproximando-se do centro e de uma aliança com o PSD e também voltando para a esquerda de Brizola, marcam o quanto o PTB estava dividido. A polarização fica evidente na atuação de duas frentes: Frente de Mobilização Popular, liderada por Brizola e a Frente Progressista de Apoio às Reformas de Base ou Frente Dantas.
-    É necessário um trabalhismo nacionalista, sindicalista, reformista, democrático e cheio de nuances.

O trabalhismo como “partido popular”:
-    O PTB, ao longo da década de 1954-64, cresce como organização, acirrando-se as disputas entre as lideranças e tornando-se o maior partido, eleitoralmente falando, do país.
-    Foi a República do pós-45 que inaugurou um sistema partidário moderno com expansão da participação política.
-    Os anos do pós-45 foram estratégicos p/ o conhecimento e o exercício dos direitos políticos no Brasil, e os responsáveis por seu encaminhamento foram os partidos através de seus diretórios e organizações sindicais.
-    San Tiago em meados de 1957 escreve um artigo detalhado, em que diz que o PTB é um “rosário de problemas” e era preciso “institucionalizar” urgente o partido, pois o PTB não podia ser minimizado como organização.
-    Mas mesmo com muitos problemas o PTB poderia ser maior força política do país se se organizasse e se preparasse para uma difícil competição. A UDN era o que mais preocupava, pois crescia no interior e nos sindicatos; O PCB não era um risco, pois Prestes não era + uma liderança política e não serviam os trabalhadores Já o PSD era majoritário graças a sua rede clientelista, mas era o partido que mais sofria desgastes. Assim, o crescimento eleitoral de um partido, na Segunda metade dos anos 50, dependeria de sua maior capacidade de arrebatar votos do PSD.
-    Para San Tiago: sem Vargas, as qualidades necessárias ao presidente do PTB eram as de um “chefe partidário”. Ele colocava na ordem do dia: questões das coligações e da interiorização da máquina através dos diretórios.
-    Novo modelo: “partido popular” -  diretórios tinham que ter sede própria, receber contribuições mensais obrigatórias dos filiados e o alistamento tinha que ser uma atividade prioritária.
-    Os anos 50 destacam-se por ser estratégico na constituição de partidos como organizações de massa, devido a um esforço organizacional interno em bases mais modernas e uma atuação no alistamento eleitoral, ou seja, na produção de cidadãos com efetivo direito de voto.
-    Os temas da renovação do trabalhismo, as reformas e a democracia complementam-se com a conformação do PTB como um “partido operário de massa”.

O PTB e o golpe:
-    Quando Vargas se suicida em 54, deixa ao PTB um importante legado: o mito de pai dos pobres e fundador do trabalhismo como ideologia e partido político, mas essa não era uma herança fácil de manter, pois  a conjuntura política do fim dos anos 50 trouxe mudanças no sistema partidário e porque o PTB tinha grandes problemas internos, principalmente a fraqueza organizacional.
-    O projeto trabalhista de San Tiago tinha um caráter consensual e relacional.
-    Não foi o reformismo crescente do PTB que respondeu por toda radicalização política da época, mas o partido teve um papel chave nesse cenário.
-    Para San Tiago havia duas esquerdas agindo no parlamento, que se organizavam em duas frentes. Ambas apoiavam Jango, uma lutando pela legalidade e outra por sua ruptura.
-    As ambigüidades de Jango espelham bem as ambigüidades e o dilaceramento do PTB. As duas frentes fracassaram, Jango caiu e a “direita”, que não se dividiu, deu o golpe de março de 1964.

Fichamento de História Social do Brasil – ano 2003

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