quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Resenha: Dependência e Informalidade – Thomas Coutrot

Quando pensamos em modificações das relações de trabalho, geralmente levamos em conta os fatos e acontecimentos dinamizados pelas práticas de diferentes atores sociais. E isso vem sendo analisado por teorias que abarcam desde a importância da participação popular, até mesmo a força política e econômica dos grupos inseridos no interior de instituições governamentais, como formas de angariar tais mudanças na ordem do trabalho.

Neste sentido, Coutrot, em seu texto “Dependência e Informalidade”, propõe não mais a observação dos atores e instituições que permeiam as relações de trabalho, mas sim das ideologias que predominam durante e para o desenvolvimento dessas relações. Não se trata de quem faz o que, mas de como as construções teóricas influem na prática das alterações e ações sociais. Reflete muito mais uma tentativa de provar o poder do valor cientifico diante de uma transformação, mostrando que as teorias possuem uma espécie de representação que vai além das alterações que a história sofre. Como se as teorias pudessem ser “a-históricas”.

O autor está interessado em reconhecer como os paradigmas teóricos são aplicados em um momento de intensa mudança, e como promulgam a abertura para novas temáticas dentro do sistema. Realiza, portanto, um estudo do sistema econômico brasileiro, condicionando sua análise à organização do mercado, da produtividade, tecnologia e principalmente da divisão internacional do trabalho. Não abandona os paradigmas e também não os desmente através da empiria, mas acredita que são recolocados dentro da teoria, que é condizente com os novos fatos.

Para tanto, escolhe a “Teoria da Dependência”, que ordenou a formulação dos padrões salariais a partir de designações de mercado, teoria esta que predomina durante os anos 60 e 70. Sua intenção é provar que nenhuma das vertentes desta teoria resolve o problema do subdesenvolvimento, mesmo com a realização de alguns pontos propostos por cada grupo de teóricos os países Periféricos continuam subdesenvolvidos, e que a teoria neoliberal, que mostra a informalidade como solução, não ameniza o subdesenvolvimento.

Começa seu texto esboçando que o desgaste da teoria escolhida se deu em virtude do alto valor concedido ao papel das relações internacionais de exploração, em detrimento da ênfase conferida aos entraves do desenvolvimento interno nas economias periféricas.

A existência de uma divisão entre “Centro e Periferia” era representante de um critério de crescimento baseado puramente na acumulação. Porém, vários estudos feitos durante esse período demonstraram que o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) era elevado, ao passo que o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) não respondia positivamente a esse crescimento, levando em conta que a divisão per capta se fazia de forma desigual.

Nesta ordem das circunstâncias, regidas pela economia, como sendo o mercado regulador das relações sociais, o autor expõe brevemente os três grupos de autores e seus enfoques, conforme cada corrente teórica. São elas:

A teoria Cepalina

Favorável a industrialização, já que, a degradação historicamente observada dos termos de troca entre países subdesenvolvidos e desenvolvidos, provém essencialmente do caráter primário das exportações do “Terceiro Mundo” e da demanda pouco dinâmica por estes produtos agrícolas.

Essa industrialização não seria somente uma forma de substituir as importações, mas também, refletiria o reordenamento da estrutura produtiva interna, promovendo o fim da degradação que as trocas vinham efetuando, o que não refletia em novas formas de relações de trabalho.

Os papéis do Estado e da burguesia industrial ainda eram fundamentais para que se concretizasse o crescimento interno do mercado, afirmando as presenças de uma elite controladora e conservadora que detinha o Capital, e de um governo autoritário e repressivo.

A teoria da troca desigual

Propunha a reforma interna através da realização de uma aliança nacional desenvolvimentista associada à ruptura externa com as leis do mercado capitalista mundial. Nesta etapa do pensamento desenvolvimentista, muito associada ao esquema marxista, a teoria se desloca para as relações entre a força de trabalho e o Capital, na determinação dos diferentes níveis salariais.

Acreditamos que esta parte do estudo salienta de forma muito mais explicita a formação social dos trabalhadores enquanto um grupo com possibilidade de representação, isso porque propõe que para reverter esse quadro é preciso unir as classes produtoras de modo que estas reivindiquem o equilíbrio salarial entre os países.

Mas esta teoria se torna ilegítima devido à heterogeneidade que a valorização do Capital sofre, refletindo muito mais o interesse das novas elites, surgidas com o fim da idéia de colonização.

A teoria Marxista

Para esse grupo de teóricos, a inserção forçada de formações sociais pré-capitalistas no mercado capitalista mundial orienta, distorce e inibe o desenvolvimento dessas sociedades, impondo um padrão de acumulação voltado para os interesses de uma minoria privilegiada. Para satisfazer as necessidades sociais da grande maioria seria preciso que o proletariado dos países dominados rompessem com a opressão interna e externa.

O que o autor quer mostrar é que essas teorias não respondem exatamente à realidade dos acontecimentos, afinal, a industrialização não colocou fim ao subdesenvolvimento, assim como não houve uma ruptura com as relações internacionais do mercado mundial. Nem com o processo de industrialização em si, nem a desvinculação do mercado mundial, bastam para romper as barreiras do subdesenvolvimento.

No entanto, não se pode abandonar as características explicitadas por essas análises, afinal, o Estado no Brasil manteve-se fortemente determinante sobre as negociações e contratos de trabalho, com sua legislação e institucionalização, ao mesmo tempo em que a elite industrial manteve o domínio sobre as formas de produção e as relações com o mercado.

A partir dessas designações é que o autor começa a verificar uma diferença paradoxal nos anos 80, e passa a questionar o segmento ideológico neoliberal, que tencionava dizer que os novos padrões sócio-econômicos envolviam o conceito de informalidade, e que este seria para os países periféricos, uma alternativa real, preferível ao padrão fordista característico das economias centrais. Tudo se direcionava para o fim da idéia de centro e periferia promulgada pelos teóricos dependentistas.

Parece-nos haver no autor, uma tendência a manter não somente o enfoque da teoria dependentista, mas também, uma necessidade de explicação das relações sociais e seu desenvolvimento por vias economicistas. Ao mesmo passo em que demonstra as falhas ideológicas do neoliberalismo, ele constrói um conjunto de fatores que representam não mais uma estrutura baseada no colonialismo e metrópole, mas sim numa polarização ainda existente entre Terceiro e Primeiro Mundos.

É errôneo admitir que as relações internacionais tiveram um valor insuperável para a elaboração da divisão do trabalho, sem levar em conta as especificações locais, históricas e regionais. Segundo Coutrot, trata-se muito mais de se procurar entender as causas do subdesenvolvimento via correspondência entre os componentes internos e externos, como associados e dialéticos.

Assim, alguns fatores da teoria dependentista permanecem como reafirmação da ordenação de uma dicotomia que explica a dependência, e ao mesmo tempo são os principais determinantes de um novo modelo de relações do trabalho. São eles:

  1. a proporção elevada da população ativa empregada na agricultura.
  2. o subemprego de fração maciça da população ativa urbana expulsa do campo pelo colapso progressivo das relações tradicionais de produção e a penetração crescente das relações capitalistas (grande “exército industrial de reserva”).
  3. a enormidade das desigualdades sociais.
  4. fraca capacidade de inovação tecnológica(dependentes de multinacionais)
  5. a hipertrofia do Estado na esfera econômica.
  6. o Estado, apesar da hipertrofia dentro da economia, nunca consegue garantir para a moeda nacional o estatuto de divisa internacional (único critério que diz respeito ao modo de inserção dos países no mercado mundial).

A afirmação do desemprego vai se consolidando, visto que a tecnologia cria uma nova forma de realização do trabalho que desagrega valor das funções manuais antes responsáveis pelo excedente de mão-de-obra, que ajudava a regular os salários e mantê-los em níveis relativamente baixos.

Houve uma reorganização dessa mão-de-obra, que não mais podendo ser englobada pelo mercado regulado e pelas normas de assalariamento estável, constituiu-se em um subgrupo denominado por estar concentrado numa economia informal, sendo, além disso, decorrente da maior flexibilização dos níveis contratuais e do mercado.

Essa nova ordem da sociedade dos países com distribuição de renda desigual, parece estar, segundo o autor, relacionado a uma tendência das elites manterem um padrão de consumo em concomitância com os índices dos países de primeiro mundo o que levou à formação de uma lógica consumista que caracterizou uma nova classe média.

Coutrot mostra que não se pode aplicar um mesmo modelo teórico de modo generalizado como se pudesse realizar uma bricolagem do que há de melhor em cada sistema. O que deve existir é uma maneira de se buscar uma forma de enraizamento em cada sociedade.

O surgimento dessa classe média decorrente dos padrões de consumo “importados”, levou a uma busca por atingir tais padrões de forma que, para se manter dentro do sistema de industrialização, caracterizado pelos baixos salários, já não era o suficiente para atingir sua demanda consumista. Isso incentivou novas formas de acumulação, que seriam consagradas pelo crescimento da informalidade. O que nos leva a pensar ser a informalidade um problema da classe média que o amplia de seu nível ideológico para uma questão de domínio nacional.

Em síntese, a essa conclusão preliminar, o que se viu foi que as formas distintas de distribuição do crescimento econômico no país acabaram perpassando as barreiras econômicas e determinando as desigualdades sociais. Isso se deveu à exclusão e concretização de setores de serviço precarizados, sem cobertura assistencial do governo, regidos por uma lógica de negociação individualista.

O padrão fordista, e a regulação por parte do Estado acabaram gerando intensa rotatividade de empregos formais, e a necessidade de inovações na própria forma de se denominar aqueles que são trabalhadores.

Não podemos negar que a informalidade tornou-se uma alternativa mediante as dificuldades que se consolidaram na década perdida de 80, no entanto, o que o autor deixa claro é que isso não seria algo produtivo para as sociedades em que se constituiu.

A falta de controle interno, acabou atingindo toda a organização social e ao que subentende-se o erro primário na resolução de tais problemas está em ainda continuar dando-se ênfase aos procedimentos da economia externa, deixando de lado as tentativas de reformular a ordem interna de modo a regrar as relações de trabalho.

Concluindo, Coutrot nos vem mostrar que mesmo havendo enorme crítica sobre a “Teoria da Dependência”, essa estruturou-se de tal forma, que seus pilares permaneceram intactos e deram sustentação ao surgimento do sistema informal.

As tentativas de obter seu fim, acabam remetendo a fatores que precedem mesmo às prerrogativas dessa análise dependentista, tendo visto que nesta já se evidenciava a necessidade de desvinculamento com as leis do mercado mundial. O que queremos dizer é que aquelas determinações, as quais adquiriram o papel de conseqüências do subdesenvolvimento, também podem ser reconhecidas como causas para o fenômeno da reordenação social das associações dos trabalhadores.

Para que a real resposta seja dada ao sistema promovendo o fim do trabalho informal, o que o autor propõe é que se dê ênfase aos princípios de organização interna da sociedade brasileira, procurando reorganizar a forma de distribuição de renda de modo que se torne mais equalizada e com isso incentive o crescimento interno do mercado.

Ao final desta resenha, podemos concluir, portanto, que Coutrot prova sua tese de que o subdesenvolvimento não tem um fim, mesmo com todas as soluções propostas por teóricos do dependentismo e pelos neoliberais; o que se achava que era solução, trouxe poucas melhoras e no caso da informalidade, foi até regressora.

Os seus elementos destacáveis e permanentes, são a base para a consolidação de uma nova etapa das relações de trabalho, dando margens para a consolidação de uma forma de mercado bastante peculiar aos países em que o subdesenvolvimento se manteve vivo, a informalidade.

Neste subdesenvolvimento estrutural, as tendências que parecem se manter estão vinculadas à constante necessidade das elites de reafirmar seus poderes de dominação sobre as formas de contratos e de salários. E a informalidade, neste sentido, surgiu como uma negação dessa obrigatoriedade regulada. Seria como uma nova forma de obtenção de cidadania que não a exposta por Wanderley Guilherme dos Santos. O fato de ser um cidadão estaria agora vinculado ao poder de consumo, não apenas de bens duráveis, mas de serviços que deveriam ser concedidos pelo governo, como saúde e transporte.

Novamente neste ponto, a teoria dependentista parece ser retomada, pois aquele Estado regulador não desapareceu e a própria teoria, inclusive a de Coutrot, entende a informalidade como um retrocesso histórico. Portanto, acreditamos que a intervenção política se reafirma, contrapondo-se à idéia neoliberal.

Resumidamente, a informalidade compromete a segurança do trabalhador, e também causa a deteriorização das contas públicas, o que leva o governo a intervir contrariamente à reprodução dessa forma de trabalho, promovendo a reinserção no mercado formal daqueles que perderam seus empregos devido às mudanças.

Ele o faz, por meio do ajuste da Legislação Trabalhista aos novos padrões de relação entre Capital e Trabalho, assim garantindo o cumprimento formal dos vínculos empregatícios, além de levar em conta procedimentos de requalificação profissional adequando os trabalhadores as novas demandas de mercado.

Sobrevivem as experiências de formalização, regulação por vias contratuais, e o grande poder da indústria, como fora exposto pelos dependendistas. E ao contrário do que se procura dizer, as teorias não são extintas diante dos novos fatos, elas se dissipam pelas ideologias e acabam constituindo-se em programas e projetos que vislumbram na realidade manter uma certa estabilidade e permanência adequando as mudanças para que não destruam as conquistas positivas que a estrutura precedente a elas consolidou.

Bibliografia

Coutrot, Thomas. “Dependência e Informalidade”. In : Novos Estudos Cebrap. São Paulo; março de 1991. Pág. 156-172.

Resenha Políticas e Relações de Trabalho – ano 2004

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