sábado, 23 de fevereiro de 2008

Quem faz e quem deve fazer política - na Idade Média

Desde a queda do Império Romano do Ocidente em 476 durante as invasões bárbaras do século V, a Igreja Católica viu seu poder crescer no vácuo deixado pela autoridade romana. No entanto, ela, a Igreja, força espiritual, moral, necessitava de proteção, do braço secular. Este lhe foi oferecido pelos reis e chefes bárbaros que se converteram ao cristianismo. Um deles, Carlos Magno (768-814), chegou a tentar restabelecer o poder Imperial no ano de 800, quando foi coroado em Roma, Imperador do Ocidente.

O Sacro Império Romano-Germano

Seus sucessores continuaram utilizando-se do mesmo título até que Otão, o Grande, fundou, em 962, o Sacro Império Romano-Germânico, tutelando o Papado. Por isso ele indicava ao seu gosto os integrantes do alto clero e influenciava decisivamente na escolha do papa. A crença era de que havia uma nítida separação de poderes, cabendo ao Imperador o poder temporal, enquanto ao Papa, cabia o poder espiritual. Interessa observar que nesta época dos princípios da Idade Média, desaparecem completamente da teoria política a concepção da cidadania como era concebida pelos gregos e romanos. A política nos tempos medievais está circunscrita aos nobres, ao rei e aos sacerdotes, era uma arena exclusiva dos grandes.

1. Os Teocratas

Quem faz a política?

Esta dependência do Poder Sacerdotal ao Poder Imperial, caiu no desagrado dos teólogos defensores da teocracia, particularmente a partir do século XI, quando a Igreja Católica lançou-se numa luta por reformas radicais, visando sua autonomia. Para eles, o Imperador, segundo a prática otoniana, de certa forma, usurpava a autoridade Papal, ao escolher os bispos e outros altos funcionários eclesiásticos. Cometiam, ao fazer esse intrometimento nas coisas da Igreja, o delito da simonia, o tráfico com as coisas sagradas da religião.

Quem deve fazer a Política?

Por conseqüência daquela intromissão dos imperadores nas coisas da Igreja, havia, segundo os teocratas, uma usurpação da liderança política da Cristandade. Como exclusivo representante que Cristo na Terra, todos, especialmente o Imperador, deviam obediência absoluta ao Papa. Esta foi a posição que os teocratas ou os hierocratas (os defensores do poder sacerdotal), assumiram no tempo do Papa Gregório VII( 1073-1085). Esta posição deles desencadeou a célebre "Questão das Investiduras", iniciada em 1073, quando o Papa e o Imperador travaram uma longa luta ideológica, e por vezes, militar, para ver quem deveria liderar a Cristandade.

O Ditado Papal

Para os teocratas, o poder temporal deveria estar submetido ao espiritual. Para tanto, fizeram o papa anunciar o chamado Ditado Papal (Dictatus Pape), proclamando-se como o chefe exclusivo da Cristandade, sendo-lhe permitido inclusive "depor os imperadores" [artigo XII], sendo o único homem "a quem todos os príncipes beijam os pés" [artigo IX].

2. Os Estatocratas

Quem faz a Política?

A intromissão do Papado nos assuntos seculares, por sua vez, passou a ser inaceitável para os defensores do poder secular. Estes teóricos, os estatocratas, argumentaram que o poder determinado por Jesus Cristo à Igreja era exclusivamente um poder espiritual. Citavam na defesa do seu ponto de vista, o fato de que Jesus Cristo, frente a Pilatos, ter dito que o seu reino não era o reino deste mundo, mas sim de um outro mundo, o do Reino dos Céus. Consequentemente o Papa devia restringir-se exclusivamente às questões espirituais, aos dramas morais e éticos dos cristãos.

Quem deve fazer a Política?

Marcilio de Pádua, reitor da Universidade de Paris, e um dos principais teóricos do poder secular, lançou-se numa radical crítica à ambição da Igreja Cristã em querer ser também um poder temporal. Na sua obra "Defensor da paz" (Defensor pacis), de 1324, apresentou a mais bem elaborada doutrina do poder estatal, que, segundo alguns, foi a fonte inspiradora de todas as concepções do estado secular que surgiram, bem mais tarde, nos tempos modernos.

O Legislador Humano

Para Marcilio de Pádua, a fonte das instituições era o que ele denominou de o Legislador Humano, isto é, o corpo dos cidadãos livres que compõem um reino. Este legislador humano é representado pelas figuras mais expressivas da sociedade, que, por sua volta, delegam a direção do governo a um príncipe. Este era um magistrado único, autoridade secular, que concentra em suas mãos a capacidade coercitiva e o exercício da autoridade. Não aceita a teoria da dualidade de poderes (um espiritual, e outro temporal), pois a vê nesta divisão um convite à dispersão, ao conflito de soberania, à guerra civil. O poder é um só e deve estar enfeixado nas mão do príncipe secular.

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