sábado, 23 de fevereiro de 2008

Quem faz e quem deve fazer política - na Antigüidade

Platão (427-347 a.C.)

Quem faz a Política?

Para Platão, como ele expôs detalhadamente no seu clássico sobre a política, denominado "A Republica"(Politéia), uma extraordinária exposição sobre o estado ideal, os regimes políticos existentes em qualquer época nada mais são senão expressões dos caracteres (ethos) humanos. Assim, por exemplo, o gosto pela ordem, pela hierarquia e tradição, sustenta a monarquia, enquanto o desejo de pertencer a um grupo exclusivo e a tendência de só a ele favorecer gera a oligarquia. Por outro lado, a inclinação egoísta que alguns têm à enriquecer e à amalhar tesouros é a base do regime timocrático, enquanto o pulsar do sentimento de fraternidade, igualdade e solidariedade, existente entre os homens, inspira-lhes o viver numa democracia. Finalmente, o temperamento colérico, raivoso e descontrolado de certas personalidades fortes, dá sustento à tirania. Logo, por detrás de tudo, de quem faz a política, nas suas mais variadas formas (monárquica, oligárquica, timocrática, democrática ou tirânica) é o Sentimento.

A relação entre os sentimentos e os regimes políticos

Sentimento

Regime Político
Gosto pela ordem, pela hierarquia e tradiçãoMonarquia
Tendência de pertencer a um grupo e a ele favorecerOligarquia
Egoísmo, exclusivismo, gosto pela riquezaTimocracia
Fraternidade, igualdade, solidariedadeDemocracia
Cólera, raiva, fúriaTirania

Quem deve fazer a Política?

Exatamente por isso, pelo Sentimento (instável, volátil e inconstante) ser a base dos regimes políticos, é o que os levava a serem imperfeitos, geradores de turbulência e de guerras civis sem fim. É necessário pois opor-se-lhes com um outro tipo regime, no qual o calor dos Sentimentos deveria ceder aos traçados regulares da Inteligência. Um regime que procure a estabilidade perene, constituído ou modelado exclusivamente pela Razão (logos). Este novo sistema, por ele idealizado, seria sustentado, segundo Platão, por dois pilares: a Educação (paidéia) e a Justiça (dikê).

Educação (paidéia)

Por educação, ou melhor, por formação, entende-se a capacidade não só de encontrar na alma de cada cidadão quais suas reais capacidades, suas qualificações, como despertá-las, aperfeiçoa-las e conduzi-las ao bom caminho. Segundo Platão, todo homem nasce com uma alma (psique) divida em três partes: o apetite, a coragem e a razão, que, por sua vez, materializam-se nas virtudes da temperança, valor e sabedoria. Cabe ao educador (arconte-pedagogo) fazer desenvolver uma delas (que se sobrepões às demais) e orientar o indivíduo a ocupar o seu devido lugar na sociedade.

A justiça (dikê)

Por Justiça (dikê), Platão entendia ser a obrigação da sociedade em abrigar e encontrar uma função, a mais adequada possível, de acordo com as inclinações naturais de cada indivíduo, aperfeiçoadas pela educação. Os que têm coragem (timós), por exemplo, devem ser utilizados como os guardiães ou guerreiros da sociedade, enquanto aqueles que são dominados predominantemente pelos seus apetites, devem ser os trabalhadores (demiorgói). Por último, os dotados de razão e de inteligência devem assumir o governo da sociedade como arcontes. A idéia de Justiça para Platão, e para a maioria dos pensadores gregos, não estava comprometida necessariamente com o principio da equanimidade, isto é, da igualdade de todos perante a lei. Uma sociedade justa, para eles, era apenas aquela proporcionava o lugar exato à cada um, de acordo com seus merecimentos. Afinal, esta idéia de justiça estava condicionada pelo fato deles viverem num mundo onde a escravidão fazia parte do dia a dia.

O Rei-filósofo (Basileus philósophos)

O governante máximo desta sociedade perfeita, assentada na Razão, imaginada por Platão no "A República" (Politéia) era o rei-filósofo porque, segundo ele, apenas eles, por serem os que mais próximos estão das idéias do Bem, do Belo e do Justo, têm condições de agirem como os "pastores da sociedade". Pois, lembrava ele, o governo da Razão deve sempre predominar sobre o instável Reino dos Sentimentos.

Aristóteles (384-322 a.C.)

Quem faz a Política?

No detalhado mas inacabado estudo que Aristóteles fez sobre mais de 150 constituições existentes na sua época, concluiu que as sociedades se organizam em regimes políticos que podem ser classificados de acordo com o número daqueles que exercem o mando na política. Quando, por exemplo, o poder encontra-se nas mãos de um só homem, o rei, que governa segundo a tradição e os costumes, teremos um regime monárquico. Se o regime for dos melhores dos seus cidadãos (aristós), temos uma aristocracia e, se o regime é de todos (demos), trata-se de uma Politéia (de uma república). Todos eles, entretanto, tendem inevitavelmente à perversão, à deturpação, provocando o surgimento de formas políticas bastardas, tais como a tirania, a oligarquia e a democracia. A tirania, corrupção da monarquia, é o governo de um só homem que governa discricionariamente, segundo seu humor e capricho. A oligarquia, deturpação da aristocracia, é o governo de um grupo que rege as coisas públicas atendendo apenas ao seu exclusivo interesse, e a democracia, decadência da Politéia, é o poder discricionário da multidão, que move uma perseguição aos ricos e a todos os que se lhe opõem.

Classificação dos regimes políticos segundo Aristóteles

Número dos que governam

Denominação do regime

Sua degradação
Um homem sóMonarquiaTirania
Um grupo seleto de homensAristocraciaOligarquia
Todos os homensPolitéiaDemocracia

Quem deve fazer a Política?

Assegurada a infra-estrutura da Polis (a cidade-estado grega) sendo ela auto-suficiente em alimentos, ter artífices capazes de fabricar instrumentos e armas para se defender, além de um tesouro próprio para assegurar suas necessidade internas e para outras emergências, ela deve ter também "meios para decidir as questões que envolvam interesses e direitos recíprocos dos cidadãos", isto é, ter instituições políticas.

O cidadão (Politéen)

Quem deve ser o cidadão (Politéen) para Aristóteles? Não todos, mas somente os homens absolutamente justos. Eles, esses poucos eleitos, não devem viver do trabalho trivial de artífices, muito menos do negócio (porque são atividades ignóbeis e incompatíveis com as qualidades morais de um cidadão virtuoso). Tampouco podem eles serem agricultores, pois esses vivem lavrando a terra sem terem tempo para o ócio necessário ao seu aprimoramento. Afinal, "o lazer é indispensável ao desenvolvimento das qualidade morais e à prática das atividades políticas" ["Política", livro 8, cap. VIII, 1329 a].

A cidadania seletiva de Aristóteles

Desta forma, Aristóteles delimita a cidadania aos homens aquinhoados e aconselha a criação de instituições flexíveis que sejam capazes de articular os interesses da busca da felicidade por parte desses indivíduos abonados, com o bem-estar geral da coletividade. O poder deve ser exercido alternadamente entre as classes militares e as deliberativas (ou dos conselheiros) que, ao envelhecerem no serviço da comunidade, devem integrar as classes sacerdotais. Se Platão defendia um governo de filósofos, Aristóteles alargou um pouco mais a base da participação na direção política da cidade ideal, acolhendo no seu modelo um número bem mais amplo de gente. Abriu-o às pessoas cultivadas da sociedade. Nenhum dos dois, como se vê, foi favorável à democracia, isto é, à extensão da cidadania à totalidade dos homens livres da sociedade daquela época.

http://educaterra.terra.com.br/voltaire/

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