sexta-feira, 25 de julho de 2008

Claude Lefort

    Marcel Mauss inovou a antropologia francesa ao romper com a análise durkheiminiana, a qual estabelece relação causal entre os fatos sociais. Em sua obra, “Ensaio sobre o Dom”, Mauss procura ligar todos os aspectos sociais (economia, jurídico, religioso,...) a fim de compreender a sociedade como uma totalidade. O conceito de fato social total permite a apreensão do “homem total”, ou seja, integra o individual e o coletivo, assim como o objetivo e o subjetivo. Desse modo, abre a possibilidade de interdisciplinariedade das ciências. Porém, quem irá explorá-la é Lévi-Strauss quando une-se aos lingüistas, transpondo o método da lingüística estrutural aos estudos do parentesco e assim integrando-os à teoria da comunicação, a qual tem como princípio a troca entre signos.
    Lefort, no texto “A troca e a luta dos homens” levanta pontos favoráveis das obras de Mauss e através dele faz criticas a Lévi-Strauss pois, entende que ele “construiu um Mauss” com ênfase no sistema simbólico sendo que Mauss pretendia a significação dos fatos sociais. Ele queria entender a intenção contida nas condutas sem abandonar o plano do vivido. Para Mauss a sociedade não é uma abstração.
    A pergunta que permeia a obra de Mauss é: em que condição a sociedade é possível? A resposta é: pela troca. No entanto, em vez de perguntar pelo sentido da troca por dons, Mauss pergunta pela força que existe na coisa dada para que seja obrigatoriamente devolvida. A resposta que obteve, o hau, dá conta de explicar a obrigação de retribuir, porém, não explica a obrigação de dar. A troca fica assim desprovida de relação particular entre quem dá e quem retribuiu mas sim baseada em uma relação mística entre quem dá e a coisa dada, homem e coisa misturam-se.
    Sendo que a interpretação nativa, que Mauss aceita, considera que o hau está contido na coisa trocada, surge a dificuldade de entender o que acontece com o hau quando coisas diferentes, com valores maiores ou menores, são trocadas. O hau poderia, dessa forma, ser dividido e a pessoa continuar a possuir parte do outro mesmo restituindo-lhe algo? Essa questão não é explorada por Mauss.
    Logo, Lefort não deixa de concordar com a crítica feita por Lévi-Strauss à Mauss, visto que este não deu conta de explicar as obrigações de dar, receber e retribuir pelas categorias de mana e hau; também concorda que sua interpretação da troca é física e por isso é impelido a buscar explicação mística baseada em categorias nativas, o que torna sua teoria frágil. Mauss acaba por contradizer-se pois abandona o plano do vivido e cai em um “coisismo”. Já Lévi-Strauss elabora uma teoria metafísica da estrutura social operada pela troca. Sua análise demonstra a existência de regras sociais não aparentes, que só são apreendidas no plano do inconsciente coletivo, o qual se caracteriza pela união de objetivo e subjetivo. A apreensão da “realidade mais profunda”, ou seja, inconsciente, se dá através do subjetivo e não do objetivo, visto que aquele tem a propriedade de ser “objetivável”. Em outras palavras, é no subjetivo que estão as operações inconscientes, as quais fundam as leis empíricas da troca.
    Lévi-Strauss concebe toda sociedade como projeção da função simbólica, um operador lógico inerente ao homem. Sendo assim, a troca estruturalista pretende apreender leis gerais da sociedade tendo como suposto que a função simbólica é universal e invariável. As leis gerais são formuladas em termos de operações matemáticas e a estrutura social é apreendida por meio de modelos.
    Lefort critica este racionalismo de Lévi-Strauss, o qual reduz a troca e, consequentemente, todo fenômeno social a operações matemáticas concebendo a estrutura como relações constantes entre os termos desconsiderando, assim, os aspectos qualitativos. Falta uma análise fenomenológica na teoria de Lévi-Strauss, sendo que a matemática não é mais do que uma representação da realidade e deve ser igualmente submetida à compreensão totalizante.
    Lefort interpreta a noção de inconsciente de Lévi-Strauss como eqüivalendo à consciência transcendental. A dificuldade que Lefort aponta, está na relação entre o transcendental e o empírico, ou, em outras palavras, entre a consciência transcendental como sujeito coletivo e os sujeitos individuais Lévi-Strauss não se atém em estabelecer este elo de ligação.
    Critica Lévi-Strauss por considerar o empírico apenas um meio de se chegar à lógica simbólica, preocupar-se com as regras e desconsiderar os comportamentos.
    Troca não é fato físico nem metafísico, é ato. Deve-se voltar ao plano do vivido para compreendê-la. A partir de então, Lefort passa a responder a pergunta que Mauss não respondeu sabendo-se que a troca é a condição para a sociedade: qual o sentido da troca por dons?
    A troca se apresenta no plano do vivido como uma relação de oposição entre dois sujeitos (sejam coletivos ou individuais). O potlatch serve como exemplo nítido para provar que em toda troca os sujeitos são dependentes e rivais. O dom não é uma necessidade como quis ver Mauss, mas a troca sim, pois pelo seu ato faz-se reconhecer como autônomo, como sujeito. A natureza, apresentada no dom, medeia a troca, ou seja, a confrontação. Ao dar o sujeito se distingue da coisa que possui e consequentemente da natureza. Ao mesmo tempo reconhece a subjetividade do outro que recebe e se opõe a ele.
    A retribuição do dom não é devido à existência de hau contida na coisa, mas sim, supõe que quem recebe a coisa é igual a quem dá. O ato de restituição é, para quem é restituído, a confirmação da sua subjetividade pelo outro ao mesmo tempo que é, para quem restitui, a forma de se afirmar como diferente da coisa, logo, da natureza e opositor ao outro. O ato de destruir o dom, como no potlatch, que é a afirmação do sujeito em contraste à coisa, representa a submissão do outro e da natureza.
    Em suma, por um lado a troca permite perceber semelhanças e estabelecer diferenças entre os sujeitos e por outro entre eles e a natureza.
    Nas palavras de Lefort: “Comportamento dos sujeitos empíricos não se deduz de uma consciência transcendental, esta constitui-se na experiência”. E a experiência é fundada na troca.
    Tal análise permite uma interpretação marxista. A história, como processo dialético em relações de rivalidade entre homens e em relação à natureza, ou seja, o trabalho não existe em sociedade que trocam por dons, há apenas a tendência à autoreprodução através da troca. A condição para que haja história é haver troca generalizada, só assim há a possibilidade de transformação social pela dialética do trabalho.
    Dessa forma Lefort critica Lévi-Strauss a fim de recuperar o marxismo e introduzir a análise histórica na antropologia francesa, já que o estruturalismo não possui historicidade e a análise marxista é baseada na história. Lefort, então, centra sua crítica à Lévi-Strauss nas questões da ação, da subjetividade e da historicidade.
    A proposta do “fato social total” é ver o “mundo” como um todo, no entanto torna-se impossível estudá-lo dessa forma. É preciso então que se faça “recortes” de partes específicas desse todo, selecionando assim os objetos de estudo de acordo com o objetivo de cada cientista.
    A partir disso Lévi-Strauss propõe uma antropologia enquanto um estudo do “homem total”, relacionando o psicológico, biológico e social unindo, assim algumas partes do todo, no entanto ele desconsidera uma parte muito importante que é a fenomenologia. Parte daqui a nossa crítica à Lévi-Strauss, pois ao construir seu estudo põe em segundo plano pontos importantes, como os comportamentos, por exemplo, e enfatiza a questão do transcendental.
    A teoria estruturalista tem como base o conceito de função simbólica, a qual supõe-se universal e invariável. A prova empírica para a função simbólica é que todo ser humano tem a capacidade da linguagem, além disso, o cérebro como constituinte orgânico, é evidente que possua um funcionamento inato.
    Não queremos questionar a essência da base biológica do funcionamento do cérebro variável apenas em casos de deficiências. O que pretendemos é entender a função simbólica enquanto um elemento teórico deduzido do real (a linguagem) e não real.
    Como a intenção do estruturalismo é encontrar leis gerais, este elemento teórico (função simbólica) é necessário para dar coesão à teoria, pois garante que os modelos estruturais construídos pelo cientista seja análogo à estrutura social, visto que a função simbólica é invariável e universal.
    O estruturalismo é o instrumento teórico para analisar um determinado objeto a que o cientista se pretende estudar. Comparamos a uma lente para ver o mundo, a realidade. Queremos esclarecer que pretendemos entender o estruturalismo como teoria obviamente, e não como realidade. Portanto, função simbólica é um conceito da teoria estruturalista e limitada a ela. Não pretendemos aplicá-la além do âmbito do próprio estruturalismo.

Trabalho Antropologia Contemporânea - 2002
Bibliografia:
LEFORT, C. “A troca e a luta dos homens”. In: As formas da história. São Paulo: Brasiliense, 1979
MERLEAU-PONTY, M. “De Mauss a Claude Lévi-Strauss”. In: Os Pensadores. São Paulo: Abril, 1980

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