sábado, 12 de abril de 2008

Mauss – “Relações reais e práticas entre a psicologia e a sociologia”

Este estudo não se trata de Filosofia, pois há muito tempo a psicologia separou-se da filosofia; e também a sociologia foi defendida do simplismo individualista de Tarde, do simplismo brutal de Spencer e dos metafísicos da moral e da religião; tenta-se uma comparação entre essas duas ciências: a sociologia e a psicologia; não se tem que defender uma nem outra, e sim ver como se relacionam, seus aspectos semelhantes e suas diferenças. Essas ciências tornaram-se fenomenologias, com dois reinos especiais: o reino da consciência e o reino da consciência coletiva e da coletividade.

Através do estudo dos fenômenos sociológicos (na ordem dos fatos e na ordem das ciências), e na colocação do problema, permitirá resolver a questão da psicologia coletiva.

Os fenômenos sociológicos pertencem à vida, pois só há sociedade de seres vivos; desse modo a sociologia, como a psicologia é um ramo da biologia, isto é, da biologia constituída pela antropologia, ou seja, o total das ciências que consideram o homem como ser vivo, consciente e sociável.

As sociedades humanas são sociedades animais e tem todos os seus traços, porém há outros traços que as distinguem e as colocam em outra ordem. Esses traços são: a pressão da consciência de uns sobre a consciência de outros, as comunicações de idéias, a linguagem, as artes praticadas e a estética, o agrupamento e as religiões; traços que podem ser chamados de instituições. Isso nos faz homens-sociais. Daí se destaca uma primeira diferença: a psicologia não é apenas humana, enquanto a sociologia o é rigorosamente; a psicologia humana estuda apenas os fatos observados no comportamento do indivíduo. Disso, pode-se discutir a psicologia coletiva, que as vezes é considerada a própria sociologia, mas isto é muito abstrato. Essa ciência é especial, ela separa a consciência do grupo de todo seu substrato material e concreto. Existem três razões pelas quais a sociologia escapa à isso:

  1. Há coisas e homens, havendo, portanto, de início, algo que é físico, material e que a seguir é quantitativo, é número, assim, há fenômenos morfológicos.
  2. Porém, não há fenômenos sociológicos numeráveis. Há outros fenômenos estatísticos que se baseiam no funcionamento da sociedade (fisiologia).
  3. Enfim, atrás do fato social, há história, há tradição, há linguagem e hábitos. Sempre é discutido a utilização do método histórico e do método sociológico.

Assim do ponto de vista, morfológico, estatístico e histórico, a sociologia nada tem a pedir; ela tem por objeto de trabalho as representações coletivas. Então, pode se chamar de psicologia coletiva, mas melhor seria sociologia.

Mesmo dizendo que a parte essencial da sociologia é a psicologia coletiva, nega-se que ela possa ser separada das demais, e não se trata apenas de psicologia. Pois tal psicologia coletiva ou “sociologia psicológica” é mais do que isto. A parte das representações coletivas é tão considerável que parece querer abarcar qualquer pesquisa nas camadas superiores da consciência individual. Os fenômenos da vida do corpo, são alcançados, que parece ser muito delgada a camada da consciência individual entre o social e o fisiológico, tendo em vista uma espécie de descarga física e moral de expectativas igualmente físicas e morais.

A sociologia jamais deixará de acompanhar os progressos da psicologia, pois só ela, ao lado das elaborações sociológicas, fornece os conceitos necessários, as palavras úteis que denotam os fatos mais numerosos e conotam as idéias mais claras e mais essenciais.

Alguns “serviços” recentes prestados pela psicologia à sociologia: noção de vigor mental, noção de psicose, noção de símbolo e da atividade essencialmente simbólica do espírito e noção de instinto.

Então se o que a psicologia diz é certo para a consciência individual, então será muito mais para a consciência coletiva. A idéia de símbolo pode ser empregada concomitantemente com as precedentes. E tudo colocado junto pode explicar elementos importantes dos mitos, dos ritos, das crenças, da fé na sua eficácia, da ilusão, da alucinação religiosa e estética, da mentira e do delírio coletivo e das suas correlações. A vida social é apenas o instinto gregário hipertrofiado, alterado, transformado e corrigido.

A sociologia estaria bem mais adiantada se tivesse em toda parte imitado os lingüistas (foram os primeiros a saber que os fenômenos por eles estudado eram sociais) e se não tivesse incorrido em duas faltas: tender para a filosofia da história e para a filosofia da sociedade.

Porém, a sociologia oferece observações verdadeiramente instrutivas de imediato: o estudo dos símbolos míticos e morais como fatos psicológicos e o estudo do ritmo como fato capital.

O social, o psicológico e o próprio fisiológico ainda coincidem, não apenas do ponto de vista do ritmo, como ainda do ponto de vista da tonalidade.

No fundo não há fato social de natureza psíquica que não ofereça ensinamento; o fato psicológico geral aparece com toda a sua nitidez, porque é social. O estudo das ações e reações, bem como o de suas relações com a ideação, é singularmente fácil no caso do fenômeno social.

Na sociologia o homem quase nunca é encontrado dividido em faculdades, no fundo, corpo, alma, sociedade, tudo se mistura. Os fatos que interessam são os chamados fenômenos de totalidade.

É do comportamento e das representações de homens médios e mediante dotados de uma completa vida média que a sociologia trata com mais freqüência. Excepcionalmente pode-se chegar a individualidades excepcionais. É sempre com o homem completo que temos que lidar.

Um dos erros comuns da sociologia é o de acreditar na uniformidade de uma mentalidade figurada a partir de uma mentalidade do tipo da “nossa”.

A expectativa é um dos fenômenos da sociologia mais próximos do psíquico e do fisiológico e é, ao mesmo tempo, um dos mais freqüentes; a expectativa é um desses fatos em que a emoção, a percepção e o movimento e o estado do corpo condicionam diretamente o estado social e são por ele condicionados.

A humanidade edificou seus espíritos com todos os meios: técnicos e não-técnicos, místicos e não-místicos, servindo-se de seu espírito, de seu corpo, ao azar das escolhas, das coisas, dos tempos, aos azar das noções, de suas obras e de suas ruínas.

Esses conceitos gerais ainda são instáveis e imperfeitos.

Comentário, Antropolgia Clássica, ano de 2002:

Mauss, M. – Sociologia e Antropologia; São Paulo, EDUSP, 1974

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