sexta-feira, 13 de novembro de 2009

"WELFARE STATE", CRISE E GESTÃO DA CRISE – Parte 01

"WELFARE STATE", CRISE E GESTÃO DA CRISE: UM BALANÇO DA LITERATURA INTERNACIONAL

Sônia Draibe e Wilnês Henrique

INTRODUÇÃO 
    Ao convocar a Conferência sobre as Políticas Sociais nos Anos 80, a OCDE simultaneamente trouxe para o campo político-institucional a discussão sobre a crise do Welfare State, admitiu a crise e, finalmente, tomou posição no debate: a política econômica e a política social são intrinsecamente relacionadas e, portanto, a gestão da crise deve manifestar-se também como defesa do Estado Protetor, exigindo rigor nos seus objetivos, mas permitindo um avanço em direção à Sociedade do Bem-Estar.
    A discussão que colocou como protagonista principal o Estado do Bem-Estar iniciou-se com os primeiros sintomas da perda de dinamismo econômico das principais economias ocidentais na metade dos anos 70. E não se esgotou, obviamente, com a referida Conferência. Produziu uma imensa literatura, opôs em campos nem sempre muito delimitados os debatedores e avança para o fim da década cada vez mais imbricada no debate contemporâneo sobre a reestruturação das relações Estado-Sociedade-Mercado, sem entretanto ter logrado identificar soluções específicas para aquela que qualificava como a específica, crise do sistema de proteção social.
    Tendo realizado esta trajetória, entre o final dos anos setenta e a segunda metade dos 80, tem-se a impressão de que o debate sobre a crise do Estado Benefactor mudou de tom. Antecedido pela visão otimista que, do pós-guerra até os 80, compreendia como progressiva e tranqüila a expansão do Welfare State, esteve fortemente marcado, no início dos 80, pelo pessimismo: conservadores ou progressistas, de distintos matizes e apelando para diferentes argumentos, tendiam a concordar que aquela que parecia ser a mais importante construção histórica do pós-guerra dos países industrializados — o Estado do Bem-Estar Social  — fundado sobre uma particular e fecunda aliança entre as políticas econômica e social, atingira seus limites, esgotara suas potencialidades. A crise, ao pôr a nu todas as tensões estruturais do Wélfare State, encaminharia necessariamente soluções negadoras daquele, fosse o fim desta forma de regulação e, então, segundo os conservadores, uma volta aos sadios mecanismos do mercado, ou a edificação de uma nova estrutura, segundo os progressistas, mais próxima do que entendiam ser uma sociedade do bem-estar, assentada sobre novo tipo de sociabilidade.
    Já quase ao final dos anos 80, aquelas certezas parecem abaladas. E certo que a crise impôs restrições e, no plano das políticas sociais, muitos foram os reajustamentos processados. Entretanto, não apenas não se confirmaram as previsões pessimistas como as resistências ao desmantelamento dos mecanismos compensatórios e redistributivos expressaram uma defesa do Estado Protetor não prevista ou, pelo menos, pouco vislumbrada, situação que, se não significa certamente anular a importância dos temas discutidos, tem contudo imposto novos perfis e termos ao debate. Hoje, claramente, a discussão ampliou-se e remeteu as questões para o quadro mais geral das relações Estado-Economia-Sociedade, reduzindo o grau de autonomia com que foi concebida a "crise do Welfare State". Quadro amplo de enfrentamento teórico, mas sobretudo político-ideológico, no qual possivelmente a batuta segue ainda firmemente em mãos dos setores neoliberais. O que impõe aos progressistas a exigência e o desafio de revisão e avanço teórico, num movimento de reflexão cujas potencialidades obviamente estão relacionadas com a capacidade que terão estas correntes de libertarem-se de estreitos e estereotipados marcos anteriores, para efetivamente captarem as atuais tendências de transformação das sociedades capitalistas contemporâneas.
    Em relação aos tempos daquele debate, este artigo é fortemente datado e refere-se tão somente ao primeiro movimento. Escrito em 1984, tratou-se aqui de sistematizar a literatura internacional referida ao tema da crise do Welfare State. Trabalho preparatório de uma pesquisa sobre sistemas de seguridade social em perspectiva internacional (1), as opções de tratamento da literatura internacional estiveram estreitamente relacionadas com aquele objetivo. Interessava menos organizar grandes sínteses e classificações, muito mais desagregar da melhor forma possível os argumentos de modo a configurar uma quase agenda de questões a serem, posteriormente, examinadas nos estudos de casos nacionais. Por outro lado, a própria natureza heterogênea da literatura obrigava, para resgatar e conservar sua riqueza maior, a tomar com bastante cautela critérios de classificação que conduzissem à supressão das nuances, estas sim as mais interessantes para os objetivos de pesquisa que tínhamos em conta. A título de exemplo, basta lembrar que a divisão conservadores-progressistas, se tomada muito fortemente, poderia obscurecer a intrigante convergência, nem por isso identidade, entre a proposta conservadora de diminuição do papel centralizador e intervencionista do Estado, por um lado, e as sugestões progressistas de descentralização e autonomização das políticas sociais, em direção a formas mais participativas dos beneficiários, por outro. Tanto é assim que mesmo as categorias conservadores-progressistas foram tomadas segundo critérios extremamente amplos, tão-somente levando em consideração os compromissos valorativos com maior igualdade e justiça sociais, presentes em uns, ausentes em outros.
    Na sua organização, o trabalho foi dividido em duas grandes partes. Na Primeira, expomos da forma mais clara possível os temas e argumentos que dividem conservadores ou progressistas quando tratam de forma autônoma ou derivada a questão da crise do Estado Protetor. Na Segunda Parte, desenvolvemos um trabalho de cunho mais analítico, buscando destacar, de um lado, os níveis privilegiados pelas interpretações da crise  — o social, o econômico, o político — e, de outro, os autores mais relevantes que, segundo aquele critério, têm, de fato, contribuído para o desenvolvimento de explicações convincentes, assim como para o desenho de quadros alternativos de superação dos constrangimentos impostos às práticas de intervenção social do Estado.
    Cabe finalmente assinalar que tampouco deu-se um tratamento exaustivo à literatura examinada. Tendo de início trabalhado com aproximadamente mil títulos, selecionamos intencionalmente os autores segundo os critérios de maior consistência da argumentação, do interesse frente ao leque de teses previamente identificadas e, enfim, do grau de clareza e explicitação com que teses e argumentos eram apresentados. A escolha, por exemplo, de Milton Friedman para examinar os argumentos econômicos conservadores ou neoliberais, deveu-se àqueles critérios e intenções, uma vez constatada a pouca sistematização, àquela época, da produção neoliberal contemporânea, tão em voga.

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