sexta-feira, 25 de abril de 2008

Ensaio sobre Bacon

Frases:

“Nem a mão sem auxílio nem a compreensão deixada a si mesmo logram muito.”

“Não é pequena a diferença existente entre os ídolos da mente humana e as idéias da mente Divina, ou seja, entre opiniões fúteis e a verdadeira marca e impressão gravada (por Deus) nas criaturas, tais como se encontram na natureza.”

Existe um conflito entre o que é falso e o que é verdadeiro, as idéias da mente Divina, que estão gravadas nas criaturas (marcas de Deus na natureza), fazem parte da ordem da verdade, enquanto as idéias da mente humana, os “ídolos”, fazem parte da ordem falsa (opiniões fúteis), e esses ídolos são os obstáculos para o progresso científico, segundo Bacon. O homem pensa e faz, ele domina a natureza para depois fazer as leis.

Para fazer ciência é preciso entender e seguir as leis da natureza; para entender a ordem natural é preciso observar, quanto mais se observa mais se sabe, e somente obedecendo as leis da natureza é que se pode vencê-la, e assim conseguir poder, daí vem que ciência e poder do homem se coincidem, originando a famosa frase de Bacon: “Saber é Poder”.

Todas as idéias vem de noções que já se tem das coisas, as teorias científicas se baseiam nessas pré-noções que estão “contaminadas” de falsas idéias, porém a ciência não pode se formar por ideologias. A ciência não produz os meios para produzir os efeitos, a lógica (a nossa lógica não é científica) não é suficiente para a descoberta científica, ela é danosa, por causa dos ídolos que residem na mente humana. Para se entender aquilo que está mais oculto na natureza (compreender a verdade), é preciso de um método que abstraia as noções e os axiomas, para isso coloca-se duas vias: 1) para se chegar aos axiomas parte-se dos sentidos e dos fatos (lógica) e 2) construir os axiomas por meio dos sentidos e dos fatos (empiria), esse último é o mais indicado para alcançar a verdade, desse modo pode-se dizer que a ciência é extremamente empírica.

Para que o conhecimento supere o que está oculto na natureza é preciso de orientação nos experimentos, porém não se deve apenas observar as coisas, mas também conhecer os seus sentimentos, isso porque a verdadeira ciência interpreta a natureza e não a antecipa; com a antecipação não haveria questionamento por parte dos homens, isso porque a natureza humana tende a reduzir o complexo ao mais simples, implicando à uma visão restrita ao que é favorável, as idéias antecipadas seriam mais aceitas por parecerem mais fáceis que a interpretação, e os homens se acomodariam com isso. Para saber algo verdadeiro à respeito da natureza é preciso pesquisar experimentalmente, esse método de experimentação é uma crítica ao racionalismo.

Para a compreensão da verdade os homens devem abandonar suas noções (ídolos) afim de conhecer as coisas como realmente são, pois os ídolos e as noções falsas formam uma barreira na mente humana, principalmente para a “entrada” de novos conhecimentos. É preciso quebrar essa barreira para se alcançar o conhecimento verdadeiro, e para que isso ocorra a solução é a formação de noções e axiomas por indução (método indutivo).

Esse método indutivo consiste em observar e entender os fatos concretos, como se dão na experiência, e transformá-los em formas gerais (leis e causas), isto é, o que se percebe como verdade é estendido à todos os outros fatos, inclusive àqueles que não foram totalmente pesquisados. Aqui acha-se uma oposição ao método indutivo de Aristóteles, este colocava que a indução consistia em, dado um conjunto de fatos, ou coisas particulares, deveria extrair o que existe de geral em cada um deles.

Bacon, apesar de reconhecer a existência do conhecimento a priori, argumentou que, na verdade, o único conhecimento que valia a pena ter é o conhecimento de base empírica do mundo natural, o qual devia ser buscado através de procedimentos sistemáticos, mecânicos, do arranjo das informações colhidas na experiência e observação, que podiam ser melhor conduzidas em pesquisa cooperativa e impessoal. Propondo a observação isenta dos preconceitos, afastando os ídolos, coletando dados e interpretando-os cuidadosamente, conduzindo experimentos para, com todo esse método, aprender o que estava oculto na natureza e sistematizar o que nela parece desordenado e irregular, isso significava romper com o aristotelismo e entrar para o progresso científico, abrindo caminho ao progresso científico.

Trabalho de Epistemologia das Ciências - 2002

Bibliografia:

Bacon – Coleção “Os Pensadores”; trad. José Aluysio de Andrade. Editora Nova

Cultural, São Paulo, 1999.

Seymour-Smith, Martin. “Os 100 livros que mais influenciara a humanidade: a história do pensamento dos tempos antigos à atualidade”; tradução: Fausto Wolf. Rio de Janeiro: DIFEL, 2002, coleção 100, 1ª edição.

Texto: Os Ídolos (aforismos I ao XLVII) – tradução

sábado, 12 de abril de 2008

Durkheim – “Sociedade como fonte do pensamento lógico”

Os teóricos que tentaram explicar a religião em termos racionais viram nela um sistema de idéias, que responde a um determinado objeto, este objeto foi concebido de diferentes maneiras, sem grande importância. As crenças eram representações e os ritos uma tradução exterior, contingente e material daqueles estados interiores que eram considerados como tendo um valor intrínseco. Essa concepção é muito difundida, e os debates à respeito, giram em torno de saber se ela pode ou não ser conciliada com a ciência. Porém, aqueles que vivem religiosamente, “discordam” da maneira de ver a religião sem corresponder à experiência quotidiana. Para eles, a religião tem função de nos fazer agir, de nos ajudar a viver. Um homem que crê em seu deus tem mais força perante as dificuldades, ele é elevado acima da sua condição de homem. O primeiro artigo de toda fé é a crença na salvação pela fé. Uma idéia é o elemento de nós mesmos.

O culto não é simplesmente um sistema de símbolos pelos quais a fé se traduz exteriormente, é a coleção de meios pelos quais ele se cria e se recria periodicamente; consistindo em operações materiais ou mentais, ele é sempre eficaz. Esse sentimento não pode ser apenas ilusório, admite-se que as crenças tenham uma experiência específica, e seu valor demonstrativo não tem menor valor que as experiências científicas, são apenas diferentes.

As mitologias são representadas de muitas formas diferentes, a causa de que é feita a experiência religiosa é a sociedade, pois o que faz o homem é o conjunto de bens intelectuais que constitui a civilização, e esta é a obra da sociedade.

As categorias fundamentais do pensamento e da ciência têm origens religiosas, isso também ocorre com a magia; portanto, pode-se dizer que quase todas as grandes instituições sociais nasceram da religião. Se a religião englobou tudo que há de essencial na sociedade, é que a idéia da sociedade é a alma da religião. Assim, as forças religiosas são forças humanas, forças morais; elas adquirem uma espécie de natureza física, que a leva ser confundida com o mundo material, dessa maneira só se vê o superficial; mas é da consciência que vem os elementos essenciais de que são feitas; assim, mesmo as coisas mais impessoais e anônimas não passam de sentimentos objetivados. Para se consagrar uma coisa, ela é colocada em contato com uma fonte energia religiosa. A técnica religiosa parece ser uma espécie de mecânica mística. Todas as religiões são espiritualistas: desprendem poderes espirituais que agem sobre a vida moral. A formação de um ideal trata-se de um produto natural da vida social. Uma sociedade não se pode criar ou se recriar, sem criar um ideal. A sociedade real e a ideal vivem juntas. Foi na vida coletiva que o indivíduo aprendeu a idealizar; assimilando os ideais elaborados pela sociedade que conseguiu conceber o ideal, introduzindo-o na sua esfera de ação. Assim a idealização não tem nada de misterioso. O ideal pessoal deriva pois do ideal social.

A sociedade não é o ser alógico, incoerente e fantástico, que se quer ver nela; pelo contrário, a consciência coletiva é a forma mais elevada da vida psíquica. Atribuir origens sociais ao pensamento lógico é relacioná-lo a uma causa que o envolve naturalmente. Se o pensamento lógico tende cada vez mais a se afastar dos elementos subjetivos e pessoais que traz na sua origem, é porque se desenvolveu uma vida social de tipo novo cada vez mais.

Assim, não quer dizer que a ciência fica de um lado e a moral e a religião do outro, esses fatores implicam que o indivíduo é capaz de se elevar acima do seu próprio ponto de vista e viver uma vida impessoal, esses diferentes tipos de atividades humanas derivam de uma única e mesma fonte.

A ciência e a moral implicam que o indivíduo é capaz de se elevar acima de seu próprio ponto de vista e viver uma vida impessoal.

Todo o “mistério” desapareceu quando se reconheceu que a razão impessoal não é senão outro nome dado ao pensamento coletivo; pois este só é possível pelo agrupamento de indivíduos, assim, eles a supõem porque só podem se manter agrupando-se.

Assim, existe o impessoal em nós porque existe aí o social e como a vida social compreende representações e práticas, essa impersonalidade se estende naturalmente às idéias como aos atos.

Atribuir à sociedade o papel preponderante na gênese da nossa natureza não é negar a criação; pois a sociedade dispõe precisamente de um poder criador que nenhum ser observável pode igualar. Assim, a Sociologia parece ser chamada a abrir um novo caminho para a ciência do homem.

 

Comentário, Antropologa Clássica, ano de 2002:

Durkheim – Coleção Os grandes cientistas sociais nº 1; org. José Albertino Rodrigues; coord. Florestan Fernandes, 9ª edição, 3ª impressão, Editora Ática, São Paulo, 2001

Mauss – “Relações reais e práticas entre a psicologia e a sociologia”

Este estudo não se trata de Filosofia, pois há muito tempo a psicologia separou-se da filosofia; e também a sociologia foi defendida do simplismo individualista de Tarde, do simplismo brutal de Spencer e dos metafísicos da moral e da religião; tenta-se uma comparação entre essas duas ciências: a sociologia e a psicologia; não se tem que defender uma nem outra, e sim ver como se relacionam, seus aspectos semelhantes e suas diferenças. Essas ciências tornaram-se fenomenologias, com dois reinos especiais: o reino da consciência e o reino da consciência coletiva e da coletividade.

Através do estudo dos fenômenos sociológicos (na ordem dos fatos e na ordem das ciências), e na colocação do problema, permitirá resolver a questão da psicologia coletiva.

Os fenômenos sociológicos pertencem à vida, pois só há sociedade de seres vivos; desse modo a sociologia, como a psicologia é um ramo da biologia, isto é, da biologia constituída pela antropologia, ou seja, o total das ciências que consideram o homem como ser vivo, consciente e sociável.

As sociedades humanas são sociedades animais e tem todos os seus traços, porém há outros traços que as distinguem e as colocam em outra ordem. Esses traços são: a pressão da consciência de uns sobre a consciência de outros, as comunicações de idéias, a linguagem, as artes praticadas e a estética, o agrupamento e as religiões; traços que podem ser chamados de instituições. Isso nos faz homens-sociais. Daí se destaca uma primeira diferença: a psicologia não é apenas humana, enquanto a sociologia o é rigorosamente; a psicologia humana estuda apenas os fatos observados no comportamento do indivíduo. Disso, pode-se discutir a psicologia coletiva, que as vezes é considerada a própria sociologia, mas isto é muito abstrato. Essa ciência é especial, ela separa a consciência do grupo de todo seu substrato material e concreto. Existem três razões pelas quais a sociologia escapa à isso:

  1. Há coisas e homens, havendo, portanto, de início, algo que é físico, material e que a seguir é quantitativo, é número, assim, há fenômenos morfológicos.
  2. Porém, não há fenômenos sociológicos numeráveis. Há outros fenômenos estatísticos que se baseiam no funcionamento da sociedade (fisiologia).
  3. Enfim, atrás do fato social, há história, há tradição, há linguagem e hábitos. Sempre é discutido a utilização do método histórico e do método sociológico.

Assim do ponto de vista, morfológico, estatístico e histórico, a sociologia nada tem a pedir; ela tem por objeto de trabalho as representações coletivas. Então, pode se chamar de psicologia coletiva, mas melhor seria sociologia.

Mesmo dizendo que a parte essencial da sociologia é a psicologia coletiva, nega-se que ela possa ser separada das demais, e não se trata apenas de psicologia. Pois tal psicologia coletiva ou “sociologia psicológica” é mais do que isto. A parte das representações coletivas é tão considerável que parece querer abarcar qualquer pesquisa nas camadas superiores da consciência individual. Os fenômenos da vida do corpo, são alcançados, que parece ser muito delgada a camada da consciência individual entre o social e o fisiológico, tendo em vista uma espécie de descarga física e moral de expectativas igualmente físicas e morais.

A sociologia jamais deixará de acompanhar os progressos da psicologia, pois só ela, ao lado das elaborações sociológicas, fornece os conceitos necessários, as palavras úteis que denotam os fatos mais numerosos e conotam as idéias mais claras e mais essenciais.

Alguns “serviços” recentes prestados pela psicologia à sociologia: noção de vigor mental, noção de psicose, noção de símbolo e da atividade essencialmente simbólica do espírito e noção de instinto.

Então se o que a psicologia diz é certo para a consciência individual, então será muito mais para a consciência coletiva. A idéia de símbolo pode ser empregada concomitantemente com as precedentes. E tudo colocado junto pode explicar elementos importantes dos mitos, dos ritos, das crenças, da fé na sua eficácia, da ilusão, da alucinação religiosa e estética, da mentira e do delírio coletivo e das suas correlações. A vida social é apenas o instinto gregário hipertrofiado, alterado, transformado e corrigido.

A sociologia estaria bem mais adiantada se tivesse em toda parte imitado os lingüistas (foram os primeiros a saber que os fenômenos por eles estudado eram sociais) e se não tivesse incorrido em duas faltas: tender para a filosofia da história e para a filosofia da sociedade.

Porém, a sociologia oferece observações verdadeiramente instrutivas de imediato: o estudo dos símbolos míticos e morais como fatos psicológicos e o estudo do ritmo como fato capital.

O social, o psicológico e o próprio fisiológico ainda coincidem, não apenas do ponto de vista do ritmo, como ainda do ponto de vista da tonalidade.

No fundo não há fato social de natureza psíquica que não ofereça ensinamento; o fato psicológico geral aparece com toda a sua nitidez, porque é social. O estudo das ações e reações, bem como o de suas relações com a ideação, é singularmente fácil no caso do fenômeno social.

Na sociologia o homem quase nunca é encontrado dividido em faculdades, no fundo, corpo, alma, sociedade, tudo se mistura. Os fatos que interessam são os chamados fenômenos de totalidade.

É do comportamento e das representações de homens médios e mediante dotados de uma completa vida média que a sociologia trata com mais freqüência. Excepcionalmente pode-se chegar a individualidades excepcionais. É sempre com o homem completo que temos que lidar.

Um dos erros comuns da sociologia é o de acreditar na uniformidade de uma mentalidade figurada a partir de uma mentalidade do tipo da “nossa”.

A expectativa é um dos fenômenos da sociologia mais próximos do psíquico e do fisiológico e é, ao mesmo tempo, um dos mais freqüentes; a expectativa é um desses fatos em que a emoção, a percepção e o movimento e o estado do corpo condicionam diretamente o estado social e são por ele condicionados.

A humanidade edificou seus espíritos com todos os meios: técnicos e não-técnicos, místicos e não-místicos, servindo-se de seu espírito, de seu corpo, ao azar das escolhas, das coisas, dos tempos, aos azar das noções, de suas obras e de suas ruínas.

Esses conceitos gerais ainda são instáveis e imperfeitos.

Comentário, Antropolgia Clássica, ano de 2002:

Mauss, M. – Sociologia e Antropologia; São Paulo, EDUSP, 1974

sexta-feira, 11 de abril de 2008

Evans-Pritchard – Os Nuer (caps. 4, 5, 6)

O clã Nuer é o maior grupo de agnatos que traçam sua descendência a partir de um ancestral comum, entre os quais está proibido o matrimônio e cujas eventuais relações sexuais são consideradas incestuosas; o relacionamento existente dentro de uma linhagem ou com outros clãs pode ser colocado em termos genealógicos: um clã é um sistema de linhagens e uma linhagem, um segmento genealógico de um clã.

Uma linhagem é um grupo de agnatos vivos os quais descendem do fundador dessa linha determinada; inclui pessoas mortas mas só são significativas enquanto sua posição genealógica explica o relacionamento entre os vivos.

Clãs e linhagens têm nomes, possuem símbolos rituais variados e observam certas relações cerimoniais recíprocas.

O parentesco agnático é sempre um relacionamento entre grupos de pessoas e é somente um relacionamento entre pessoas em virtude destas serem membros de grupos. Os grupos políticos e os de linhagem possuem certa correspondência, com freqüência têm o mesmo nome.

A linhagem é um termo relativo, dado que o alcance de suas referências depende da pessoa determinada que é escolhida como ponto de partida ao se traçar a descendência. As linhagens são grupos de uma profundidade de ao menos três gerações.

O clã Nuer (altamente segmentado) possui muitas características da estrutura tribal. Suas linhagens são grupos distintos apenas quando em oposição mútua. Os valores de linhagem são essencialmente relativos, tais como os valores tribais. Na teoria, todo homem é um fundador em potencial de uma linhagem, mas, na realidade, as linhagens originam-se de muitos poucos nomes.

A forma estrutural dos clãs permanece constante, enquanto que as linhagens reais são muito dinâmicas. As linhagens são grupos de agnatos vivos e a distância existente entre eles varia de acordo com as posições relativas que cada um ocupa na estrutura do clã.

Um clã Nuer é um sistema de linhagens. Os Nuer estão familiarizados até certo ponto com a amplidão total de seus relacionamentos genealógicos. Para um Nuer é necessário saber a qual linhagem determinado homem pertence. O relacionamento existente entre uma linhagem e outras do mesmo clã não é igualitário. Um sistema de linhagens segundo os próprios Nuer é: quando desenham no chão várias linhagens relacionadas eles as apresentam como várias linhas que partem, formando diversos ângulos, de um ponto comum. Eles vêem (sistema) enquanto relações concretas entre grupos de parentes dentro de comunidades locais, mais do que enquanto uma árvore de descendentes.

As linhagens Nuer não são consideradas cooperativas e os membros de uma linhagem os quais vivem numa área associada a ela consideram um grupo residencial e o valor de linhagem funciona através do sistema político. Cada aldeia Nuer está associada a uma linhagem e a comunidade da aldeia é identificada com eles.

Linhagens são segmentos dos clãs dominantes nas diferentes tribos (possuem a maior importância política). Em tribos e seções tribais existe muita mistura de linhagens dentro das comunidades. Segundo os Nuer as disputas e as lutas entre as linhagens levaram a sua dispersão, mas a migração levou a uma maior dispersão.

Dois fatores talvez tenham contribuído para a dispersão das linhagens, além da migração, das lutas, casamento interno etc. Os Nuer são fundamentalmente um povo de pastores com predominantes interesses pastoris e não se sentem ligados a nenhum lugar em especial; os mortos são enterrados rápida e toscamente em túmulos não visitados e esquecidos, raramente são feito-lhes sacrifícios.

Assim, os Nuer sempre se sentiram livres para perambular como bem lhes agradasse, e se um homem se sente infeliz muda-se para um setor diferente da região e vai morar com alguns parentes. Dificilmente um homem parte sozinho (seus irmãos constituem uma corporação e, se são filhos da mesma mãe permanecem juntos), normalmente vão para a casa de uma irmã casada (têm certeza de serem bem recebidos). Um homem o qual muda de residência torna-se assim membro de uma comunidade diferente e entra em relação íntima com a linhagem dominante daquela comunidade.

Uma linhagem Nuer nunca se funde inteiramente com outro clã: há certas práticas rituais que não podem ser partilhadas. Uma linhagem Nuer nunca é inteiramente absorvida ou perde sua herança ritual; ela só pode misturar-se com uma linhagem colateral do mesmo clã.

Enquanto os valores da linhagem controlam relações cerimoniais ente grupos de agnatos, os valores comunitários controlam relações políticas entre grupos de pessoas vivendo em aldeias, seções tribais tribos separadas.

É apenas a última associação entre uma tribo e seu clã dominante que torna politicamente importante o princípio agnático na estrutura da linhagem.

Existe em cada tribo uma relação definida entre sua estrutura política e o sistema de clãs. Cada um de seus segmentos tende a associar-se com um segmento da tribo. O clã dominante forma uma moldura (na qual é construído o sistema político da tribo).

O sistema de linhagens do clã dominante constitui um esqueleto conceitual (sistema de valores) ligando os segmentos tribais e fornecendo a linguagem em que suas relações possam ser expressas e dirigidas:

  • nem todo o clã ocupa uma posição superior numa tribo;
  • nem todo membro de um clã Nuer vive na tribo onde ocupa posição de superioridade;
  • um clã não é preponderante na tribo em que é dominante;
  • um homem só é um aristocrata na tribo em que seu clã tem uma condição superior e esta condição depende do fato de se residir em terras possuídas pelo clã (exceto quando o clã é dominante em duas ou mais tribos).

Quando os chamamos de aristocratas não pretendemos dizer que os Nuer os consideram “superiores” pois a idéia de alguém predominando sobre os demais lhes repugna; na verdade estes “aristocratas” têm mais prestígio do que posição, e mais influência do que poder.

As linhagens se separam de seus grupos localizados de parentesco, perambulam, juntam-se a outras pessoas ou outros clãs e se tornam membros de uma nova comunidade. Membros de uma linhagem geram filhos, tornam-se numerosos e espalham-se pela região; as relações íntimas entre eles cessam, vão viver no meio de outros clãs que se relacionam de longe com eles. Moram aí como amigos e aos poucos forjam novas relações agnatas através de casamentos internos e as linhagens se misturam em todas as comunidades locais.

As linhagens de “aristocratas” se separam e os segmentos procuram autonomia tornando-se núcleos de novas aglomerações sociais nas quais são os elementos aristocratas. Todo homem de posição acha que deveria ser um chefe, daí não se conclui que um homem deve ser um aristocrata para ganhar influência sobre seus companheiros de aldeia.

Existe em toda tribo alguma diferença de status mas as pessoas assim diferenciadas não constituem classes.

A aceitação de um membro permanente de uma comunidade como sendo um aristocrata concorda com a tendência geral entre os Nuer segundo a qual a descendência se subordinava à comunidade.

O grau de responsabilidade atribuído a um dano, as possibilidades de indenização oferecidas e o total pago como compensação dependem das relações das pessoas envolvidas na estrutura social. Nisso se baseia o Direito para eles.

As incertezas e as contradições sempre evidentes nas declarações dos Nuer a respeito dos pagamentos de gado de raça como indenização devem ser atribuídas à relatividade do status social, sempre relativo à distância estrutural ente pessoas.

Se uma pessoa estivesse visitando parentes ou afins e fosse morto numa disputa, seus anfitriões se considerariam na obrigação de vingá-lo e, se um membro de outra aldeia o matar, sua comunidade provavelmente não aceitaria esta definição de seu status, pois não se faz distinção entre os membros da própria comunidade com base na descendência em suas relações com outros segmentos políticos. Nas relações políticas, os laços são sempre dominantes e determinam o comportamento.

Os estrangeiros se ligam a um clã dominante de modo que o clã se torna a estrutura do sistema político. Como os Nuer identificam todos os lados sociais numa linguagem de parentesco, está claro que apenas o reconhecimento de laços mútuos de parentesco poderia levar a esse resultado.

Os Nuer estrangeiros não podem ser adotados nas linhagens do clã dominante ou em quaisquer outras linhagens Nuer. Os membros de todas as comunidades locais, enquanto se vêem como segmentos locais, expressam as relações de uns com os outros em função do parentesco. Isso é causado pelos casamentos mútuos.

Os Nuer, em geral, se casam dentro de sua tribo. Não há regras de exogamia baseadas na localização, estas são determinadas por valores de linhagem e parentesco.

As regras Nuer de exogamia rompem a exclusividade dos grupos agnáticos forçando seus membros a se casarem com membros de fora e, assim, a criar novos laços de parentesco. Dado que as regras também proíbem o casamento entre cognatos próximos, uma comunidade local pequena (aldeia) logo se transforma numa rede de laços de parentesco e seus membros são compelidos a procurar companheiros fora dela.

O círculo de relações próximas de parentesco limita-se a um pequeno raio que tende a se tornar cada vez mais restrito e as relações mais distantes à medida que nos aproximamos de sua periferia.

Os Nuer de outros clãs jamais podem identificar-se mais de perto com a linhagem dominante porque, por razões rituais, eles precisam continuar como unidades autônomas, mas politicamente se somam a ela através dessa categoria de parentesco.

Devido as regras exogâmicas, as linhagens são ligadas por vários laços cognatícios e de afinidade. Uma linhagem permanece com um grupo agnático exclusivo apenas em situações rituais. A estrutura agnática da linhagem dominante é um ressaltador somente no plano político.

Em todo segmento tribal pequeno existe uma linhagem do clã dominante da tribo associada a este segmento, e seus membros são juntados à linhagem por adoção, parentesco agnático ou ficções de parentesco.

Os valores de parentesco constituem as normas e sentimentos mais fortes na sociedade Nuer, e todos os inter-relacionamentos sociais tendem a ser expressos em função do parentesco.

A mitologia de clã mais rica é a que ilustra claramente a integração mitológica das linhagens de diferentes origens com o sistema de linhagem dominante numa estrutura política, demonstra como se atribuem valores de parentesco a relações territoriais.

Então, o sistema de linhagens de um clã pode ser considerado apenas até um ponto muito limitado como um registro verdadeiro da descendência. Não só sua profundidade temporal parece ser limitada e fixa, como também a distância entre linhagens colaterais parece ser determinada pela distância política entre as seções com que essas linhagens estão associadas, e pode-se supor que uma linhagem somente persiste enquanto linha distinta de descendência quando é politicamente significativa.

Um a bifurcação de linhagem é o reflexo de uma família polígama.

A unidade territorial está associada à linhagem; o objetivo é alcançar a unidade única do clã. As linhagens são, em número e posição estrutural, estritamente limitadas e controladas pelo sistema de segmentação territorial.

Todo Nuer homem passa da adolescência para a idade adulta, por uma iniciação bastante árdua: sua testa é cortada até o osso com uma pequena faca, e são feitos seis cortes de orelha a orelha. Essas cicatrizes permanecem para o resto da vida, e diz-se que algumas marcas podem ser percebidas até no crânio de um homem morto.

O cerimonial de iniciação é mais complexo, e o sistema etário tem maior importância social entre os Nuer do que entre os outros Nilotas do Sudão. Vários rapazes são iniciados ao mesmo tempo, pois acredita-se que se um rapaz é iniciado sozinho ele ficará isolado e pode morrer. Depois dessa iniciação é mais fácil cuidar deles e dar-lhe a atenção que exigem durante a convalescença. A iniciação pode ocorrer em qualquer estação do ano, mas são mais freqüentes no final da estação da chuva, quando há bastante comida e o vento Norte cicatriza as feridas. Após esta operação, os rapazes vivem em isolamento parcial e estão sujeitos a vários tabus.

O dia que praticam as incisões e no dia final do isolamento, eles fazem sacrifício e há festa, que incluem brincadeiras licenciosas e canções lúbricas. Somente os companheiros etários do pai do iniciado podem freqüentar a festa, os outros ficam a uma certa distância a fim de que não vejam a nudez das mulheres pertencentes ao seu círculo de parentes e de suas sogras.

Os conjuntos etários são organizados de modo independente em cada tribo, esses conjuntos não são organizações militares. Ao entender como é que o fato de pertencer a um conjunto etário determina o comportamento de um homem, primeiro tem-se que entender que não existe educação dirigida ou treinamento moral no procedimento de iniciação. Os guerreiros não podem casar e não gozam de privilégios, nem sofrem restrições diferentes, dos outros homens adultos.

São quatro apenas, os conjuntos que contam e, visto pelo indivíduo, eles se diferem em dois grupos de gerações de iguais e irmãos: mais velhos e pais ou mais moço e filhos.

O sistema de conjunto etário diferencia-se do sistema territorial e de linhagem sob um aspecto importante; dentro do sistema do conjunto etário, a posição de todo homem Nuer é definida estruturalmente em relação aos outros homens Nuer, e sua condição em relação a eles é de mais velhos, igual ou mais moço. É difícil descrever o termo de comportamento, pois as “regras” por eles estabelecidas, não raro, são de natureza muito geral. É possível destacar os seguintes pontos:

  1. Há certas observâncias e impedimento rituais entre membros do mesmo conjunto e também entre os conjuntos. Tem grande importância a segregação dos conjuntos nas festas com sacrifício e a proibição estrita de um membro de um conjunto enterrar um companheiro de idade ou partilhar de carne de animais sacrificadas em sua cerimônia mortuária.
  2. Um homem não pode casar-se ou ter relações sexuais com a filha de um companheiro de idade, ela é sua “filha” também.
  3. Os membros de um mesmo conjunto etário estão num mesmo pé de igualdade; são companheiros e associam-se para o trabalho, para a guerra e em todas as atividades de lazer.
  4. Espera-se que os membros de um conjunto demonstrem respeito pelos membros mais idosos.

Por estrutura social entendem-se relações entre grupos que tem um alto grau de coerência e constância; é também uma organização de grupo. A família não é considerada um grupo estrutural, pois não tem relações mútuas coerentes e constantes como os grupos, e desaparecem com a morte de um membro.

Entre os próprios Nuer a cultura é homogênea e são as relações ecológicas que fundamentalmente determina o tamanho e a distribuição dos segmentos.

Entre os Nuer, os relacionamentos geralmente se expressam em função de parentesco, que tem forte conteúdo emocional, mas viver junto conta mais, pois os laços da comunidade de um modo ou de outro se transformam em laços de parentesco, e o sistema de linhagem é transformado na forma do sistema territorial dentro do qual ele atua.

Comentário de seminário, Antropologia Clássica, ano de 2002:

Evans-Pritchard, E. – Os Nuer, São Paulo, Perspectiva, 1978 - (caps. 4, 5, 6)

Malinowski - Baloma: os espíritos dos mortos nas ilhas Trobriand (caps.: V, VI, VII, VIII)

Na vida tribal dos Kiriwinianos a magia possui uma função primordial, pois as atividades econômicas, a horticultura, a pequena caça, a pesca, a construção de canoas e as condições atmosféricas estão envoltas de magia.

A magia encontra-se muito difundida entre os nativos e um exemplo dessa “natureza geral” da magia está na magia da horta que é realizada pelo towosi (mago da horta) e consiste numa série de ritos complexos e elaborados cada qual acompanhado de uma fórmula. Todos os ritos constituem uma estrutura onde se insere o trabalho hortícola.

O towosi tem uma importância muito grande na gestão da horta e o respeito que obtém pelos seus conselhos é meramente formal, havendo assim um reconhecimento de sua autoridade por parte de todos.

A questão do tabu, varia de acordo com o sistema de magia da horta de cada aldeia.

As magias possuem virtudes que são suas fórmulas, sendo o lançamento destas a única razão de ser do rito, assim como o mecanismo correto de transmissão, em que verifica-se a presença dos baloma na magia.

Essa transmissão pode ser por tradição ou por invocação, ou seja, pelo apelo direto aos baloma ou pelo valor tradicional dos nomes ancestrais.

Há a transmissão das fórmulas pelo parentesco, pois há duas categorias de magia: a matrilinear, associada a uma localidade (magia local) e a patrilinear, transmitida de um lugar para outro (magia não local).

O baloma, no mundo inferior, pertence ao mesmo sub clã que o homem antes de morrer e a reencarnação dá-se igualmente dentro das fronteiras do sub clã.

Há entre os nativos dois fatos psicológicos importantes que é a crença na reencarnação e o desconhecimento das causas fisiológicas da gravidez, pois acreditam que a verdadeira causa da gravidez é sempre um baloma que é introduzido no corpo da mulher.

Há também na aldeia a associação de concepção e banho, em que recebe-se o waiwaia (espírito do bebê) dentro da água.

No entanto, a crença na reencarnação, embora seja universal e popular, não desempenha um papel importante na vida social.

Verifica-se que há a coexistência de duas crenças contraditórios entre si em relação a fecundação, pois não conhecem os fatores fisiológicos da fecundação.

Possuem, assim, uma vaga noção de relação entre sexo e gravidez e não fazem a menor idéia de que existe a questão da paternidade do filho, sendo assim, ignoram completamente a questão da embriologia.

O único termo genérico utilizado para designar parentesco é a veiola que significa parentesco na linha materna e não abrange a relação entre pai e seus filhos.

Os nativos possuem conhecimento sobre a fecundação dos animais e não a associa com a fecundação humana, pois desconsideram a questão da reencarnação e da formação de uma nova vida.

No entanto, acreditam na possibilidade de as mulheres engravidarem sem relações sexuais, pois pode-se dilatar a vulva com manipulação digital.

Sendo assim, o problema do desconhecimento da fecundação não se relaciona com a psicologia da crença, mas com a do conhecimento baseado na observação.

Sabe-se então que a vida sexual para Kiriwinianos é um estado normal e as relações sexuais são uma ocorrência quase tão comum como comer, beber ou dormir.

As leis sociológicas gerais têm de ser perspectivadas e enquadradas no local de estudo. É preciso ordenar, classificar e interpretar os dados colhidos no local e reportar-se ao todo orgânico da vida social nativa.

As leis para recolhimento de dados são:

  • separar fatos puros de especulações hipotéticas e classificar;
  • ordenar e estabelecer relações mútuas.

Outra noção importante é perceber que cada crença reflete-se nas instituições sociais e no comportamento do nativo.

Sendo assim, há regras para reduzir a crença a um dado:

  • formular perguntas;
  • procurar nos costumes

Há também a definição de idéia social ou dogma da crença: “É um princípio da crença personificado em instituições ou textos tradicionais e formulados pela opinião unânime de todos os informadores competentes”.

Concluí-se verificando que há fatores invariáveis da crença como: tradição e instituições assim como há os fatores variáveis da crença: atitude emocional e opiniões pessoais.

Comentário de seminário, Antropologia Clássica, ano de 2002:

Malinowski, B. – Magia, Ciência e Religião; Lisboa, edições 70, 1984 - (caps.: V, VI, VII, VIII)